Psicologia, música e teoria: o uso de esquemas musicais e sua aplicação na música brasileira dos séculos XVIII e XIX

Conhecimentos da psicologia e da neurociência cognitiva, aplicadas ao entendimento da música e também ao seu ensino foi uma interessante relação mostrada pela palestra do mestre em musicologia, maestro e compositor, Mítia Ganade D’Acol, no programa Adote um Cientista, no encontro do dia 2 de junho.
Com um tema multidisciplinar e diferente dos que geralmente são trabalhados pelos palestrantes do Adote, Mítia trouxe uma abordagem nova da música, que se faz muito presente em nosso cotidiano e que desperta o interesse (e o prazer) de muitos de nós.

O pesquisador iniciou sua palestra com o trecho de uma música grega antiga, que está entre as músicas mais velhas conhecidas por nós atualmente, e que muito se assemelha a um funk atual que tem feito bastante sucesso nas rádios, e entre os alunos. Mítia explicou que a música era uma dança, de uma peça teatral – um drama satírico, de 2400 anos atrás. Contou também que foram necessárias décadas de estudo para que pesquisadores conseguissem traduzir sua partitura e, com os instrumentos aos quais temos acesso hoje, reproduzi-la.

Seria possível acordar, um dia, e simplesmente escrever uma música que já foi escrita”, ou que muito se assemelha a outra música que nunca ouvimos?
Mítia explicou que sim. Existem alguns padrões musicais que nós repetimos e, mais ainda, que nós conseguimos prever. Ele mostrou o vídeo de como as pessoas são capazes de responder a uma expectativa musical, independente do conhecimento que elas tenham.

E isso pode ocorrer independentemente do local. Algumas escalas musicais, por exemplo, podemos associar a uma localidade ou cultura especifica. É o caso das canções orientais, como as japonesas e chinesas. Apesar disso, hoje sabemos que indígenas sul-americanos usavam escalas muito parecidas, séculos atrás: e que é muito difícil que tenham aprendido essas escalas diretamente dos japoneses.

A teoria dos Esquemas ajuda a explicar porque isso acontece utilizando conhecimentos da psicologia e da filosofia. Mítia fez uma brincadeira com os alunos, utilizando o cubo de Neckar, para explicar que um esquema é uma representação que é percebida pelo nosso cérebro como aquilo que está sendo representado. Aristóteles já falava de esquemas como processos psicológicos análogos, de tal forma que objetos externos que não podem ser alcançados pela visão existam em nossa mente.
O palestrante também mostrou como algumas teorias tentam entender os esquemas musicais, de tal forma que um esquema pode ser interpretado como uma linguagem, uma forma de comunicar e transmitir informações que ajudem na composição e na reprodução de determinada música.

13524536_633901976779155_4701699776216334052_nNo século XVII, órfãos eram acolhidos pela Igreja e colocados em Conservatórios, onde aprendiam a compor e a reproduzir música. Foi em Nápoles, cidade próspera e rica, à época, localizada no sul da Itália, que essa prática atingiu seu ápice. Nos conservatórios, os órfãos eram treinados e aprendiam esquemas que lhes conferiam uma habilidade impressionante na composição e improvisação musical, além de domínio de instrumentos e do canto. Naquela época, a tradição de ensino era oral, e as partituras que foram recuperadas desses conservatórios pouco revelavam. Há algumas décadas, porém, pesquisadores notaram que os esquemas encontrados revelavam muito sobre o ensino de música aos órfãos: eles aprendiam frases e esquemas que facilitavam na composição e na resolução de partituras. Por “resolução”, Mítia quis dizer utilizar um esquema musical para compor uma música completa sobre ele.

Segundo o palestrante, a teoria dos esquemas faz com que entendamos a música, os compositores e os artistas de séculos passados, revelando o potencial do uso de esquemas para o ensino de música a jovens aprendizes. O modelo psicológico de Implicação e de Realização ajuda a entender porque somos capazes de fazer predições sobre as músicas que escutamos, independente do gênero, e porque seríamos capazes de resolver esquemas musicais, uma vez tendo aprendido a usar essa linguagem.
Além disso, Mítia contou que tudo na música pode virar esquema, sejam notas ou instrumentos. As perguntas dos alunos ficaram mais no plano da curiosidade, por exemplo, “por que tem algumas músicas que grudam na sua cabeça e nunca saem?” e “a maioria das crianças da época virava compositor profissional?”, mas eles se mostraram bastante interessados pelo assunto e, em alguns momentos, fascinados. Uma palestra complexa, mas que mostrou a relação entre a ciência e a arte, passando por cognição, aprendizado e teoria musical. Interessante. E necessária.

 

texto por Vinicius Anelli

revisão por Marisa Barbieri e Roberto Sanchez