Formigas podem ser encontradas no mundo todo. Apesar de pequenos (seu tamanho varia de poucos milímetros a alguns centímetros), esses animais causam um impacto ecológico imenso nos ambientes que habitam. A docente da Universidade Paulista de Ribeirão Preto, Profa. Dra. Patrícia Romano da Silva, trouxe aos alunos do programa Adote um Cientista, na tarde do dia 27 de agosto de 2015, um recorte da imensidão que é o mundo das formigas.

Prazer, formiga!
Formigas são insetos pertencentes à ordem Hymenoptera. Animais dessa ordem, que também inclui as vespas e as abelhas, possuem o corpo dividido em cabeça, tronco (também chamado de tórax, em alguns casos) e um abdômen (ou gáster) pedunculado. Na posição final do abdômen existe um ovipositor e, em alguns animais, ferrão. Podem ou não apresentar dois pares de asas membranosas no tronco e é essa característica que dá nome ao grupo.
As formigas pertencem à família Formicidae e são distinguidas dos outros himenópteros por duas características principais: possuem o primeiro segmento das antenas (também chamado de escapo) alongado; possuem uma glândula no tronco, chamada glândula da metapleura, que secreta uma substância antisséptica que mantém o animal saudável matando bactérias e outros patógenos.
Atualmente, são conhecidas quase 14 mil espécies de formigas e a diversidade é imensa. Essa diversidade e também o fato de serem animais extremamente numerosos contribuem para o seu impacto ecológico considerável.

Sua anatomia externa é bastante característica. Possuem três pares de apêndices locomotores (as pernas), uma característica geral dos insetos (que pertencem ao grupo Hexapoda; hexa=seis e poda=perna). A cabeça apresenta um par de antenas, um par de olhos compostos e um par de mandíbulas. No tronco estão as seis pernas e também, quando presente, dois pares de asas membranosas, sendo o par posterior o maior. A cintura com pecíolo e pós-pecíolo faz parte do abdômen, onde se encontra o ovopositor e, quando presente, o ferrão do gáster.

A vida em sociedade
Diferentes graus de organização em grupo são observados nos animais. Existem desde animais solitários, como os tigres – que geralmente formam pares apenas para o acasalamento, até organizações cada vez mais complexas de grupos de uma mesma espécie. O grau máximo de organização é observado nas formigas, embora não seja exclusivo a elas.
Por serem insetos eussociais, elas se organizam em ninhos onde ocorre a superposição de gerações, o cuidado cooperativo com a prole e a divisão do trabalho reprodutivo. O ninho é o espaço físico, enquanto a colônia é a população de um determinado grupo.
Os ninhos podem ser construídos em diferentes locais, seja no subsolo, no solo, em meio a serapilheira ou até mesmo em árvores e podem conter de algumas poucas dezenas a milhões de indivíduos. É comum a presença de áreas diferenciadas nos ninhos, com áreas para imaturos (ovos, larvas e pupas), para depósito de alimento e para depósito de lixo. As formigas tecelã, do gênero Oecophyla, constroem ninhos em árvores utilizando a secreção produzida pelas larvas para unir as folhas e construir seu abrigo.

Dentro de uma mesma colônia de formigas, é possível identificar diferentes castas. Castas são grupos de indivíduos que apresentam diferenças morfológicas, fisiológicas e comportamentais entre si, resultando em uma divisão de trabalho (que também pode ser afetada pela idade do indivíduo). Machos, rainhas e operárias, são castas encontradas em colônias de espécies como a Pheidole tepicana, um dos gêneros mais comuns no mundo todo.  Fêmeas com capacidade de fazer reprodução sexuada são chamadas de rainhas, enquanto as fêmeas incapazes de fazê-lo são as operárias. Isso mostra uma clara divisão reprodutiva dentro do ninho: machos e rainhas são responsáveis pela reprodução sexuada (que garante a variabilidade genética), enquanto operárias realizam outras atividades, como reprodução assexuada, defesa do ninho, cuidado da prole, limpeza, etc., e mesmo dentro das operárias, há também variação morfológica. Existem operárias especiais que se reproduzem sexuadamente, chamadas gamergates.

As rainhas são geralmente maiores, com destaque para o abdômen, a musculatura e as estruturas esqueléticas envolvidas com o voo são bem desenvolvidas. As operárias são menores e ápteras, ou seja, sem asas.
Os machos possuem a cabeça bem menor, quando comparados com as fêmeas. Seus olhos são grandes e possuem ocelos proeminentes, envolvidos com a percepção visual do claro/escuro. Possuem grandes músculos alares e estrutura copulatória elaborada. Um aspecto interessante é que os machos de formigas não possuem especializações para “lutar”, uma vez que não estão envolvidos com defesa de ninhos e geralmente nem com disputas físicas pelas fêmeas.

Conforme mencionado pela pesquisadora Patrícia, as operárias exercem diversas funções dentro do ninho, como coleta de alimento, defesa, limpeza das operárias e das rainhas, limpeza do ninho, alimentação, cuidado com ovos, larvas e pupas, etc. Como ocorre sobreposição de gerações, operárias de diferentes idades convivem e suas funções mudam ao longo da vida. Notadamente, às operárias mais jovens são atribuídas funções internas, enquanto as mais velhas atuam fora do ninho, seja no forrageio ou na defesa contra predadores e invasores.

“Qual a diferenciação genética entre as castas?”

A pesquisadora contou que os machos são “filhos-da-mãe”, ou sejam, gerados a partir de reprodução assexuada quando ovos não fecundados são postos. Já as fêmeas são geradas por reprodução sexuada, com o cruzamento entre rainha e macho. Além disso, ela conta que em um de seus estudos, notou que há uma diferenciação pós-zigótica na determinação de qual fêmea será a rainha: as operárias que cuidam da prole parecem eleger uma das larvas e passam a alimentá-la mais constantemente. Não demora muito para que essa larva se destaque dentre as outras, ficando bem maior que elas, e, quando adulta, será rainha.

Predadoras, herbívoras… fazendeiras, pastoras…
As formigas exercem diversas funções ecológicas. Elas atuam na disseminação de sementes, na proteção de árvores, são fonte de alimento para outros organismos, ajudam na aeração do solo e também na manutenção do tamanho da população de outros insetos.
Além disso, Patrícia trouxe aos alunos diversos exemplos dos hábitos alimentares das formigas, podendo ser predação, herbivoria e fungivoria e parasitismo, dentre outros, algumas exibindo elegantes estratégias de captura de alimentos. 
A coleta do alimento pode ser feita solitariamente, quando uma operária sai do ninho, encontra o alimento e o traz ao ninho; ou através do recrutamento, que é quando uma operária encontra um alimento que ela não poderá levar sozinha ao ninho. Ela vai até as outras formigas e, através de sinalização química, recruta todo um grupo que irá coletar o alimento.
Se alimentam diretamente da fonte ou através da trofaláxis, que consiste na passagem de alimento, de um indivíduo para outro, utilizando a língua (chamada glossa).

Algumas formigas invadem o ninho de outras espécies e escravizam as formigas invadidas (uma estratégia chamada de Cleptoparasitismo), consumindo o alimento coletado pela espécie “escravizada”.
Existem casos menos agressivos, como formigas que estimulam outros insetos a secretar uma substância que servirá como fonte de alimento. No gênero Dolichoderus, as formigas agem como pastores, criando mealybugs (conhecidos popularmente, no Brasil, como cochonilha-farinhenta), um diminuto inseto que expele uma substância que servirá como fonte de alimento para elas. As formigas alimentam e protegem os mealybugs, da mesma forma que um pastor cuida de suas vacas e ovelhas.
Algumas formigas cultivam seu próprio alimento. As saúvas (do gênero Attini) são cortadoras de folhas. Apesar do que se acredita popularmente, elas não são herbívoras: levam as folhas coletadas para seus ninhos, utilizando-as para cultivar um tipo de fungo que servirá como fonte de alimento.

    “Eu vi que tem um fungo que se alimenta da formiga, como se a dominasse, tornando-a mais agressiva”

Patrícia explicou que o inverso também acontece, e que as formigas nem sempre são as beneficiadas na interação com outros organismos. Ela contou que existem casos bem documentados de fungos que parasitaram formigas, chegando a afetar inclusive o comportamento delas. Quando o mesmo aluno que trouxe o caso à tona perguntou se isso poderia afligir os seres humanos, a pesquisadora explicou que apesar de formigas e humanos serem animais, sua biologia é bastante distinta, de tal forma que isso seja improvável. “Existem, porém, outros fungos que nos afetam, como a micose”, ela explicou.

 

“Eu vi que um cupim se alimenta de um tipo de fungo e passa a secretar uma substância que deixa seu ninho resistente. Se a formiga comesse o mesmo fungo, ela também secretaria essa substância?”

A docente explicou que não, afirmando que apesar de cupim e formiga (ambos insetos – a formiga, himenóptero, e o cupim, isóptero) serem animais mais próximos do que formiga e humano, o mesmo raciocínio se aplica: o efeito varia em diferentes grupos, de tal forma que seria improvável que o efeito do fungo seja o mesmo em cupins e em formigas.

Outro caso apresentado aos alunos foi o das formigas de correição, também conhecidas como formigas legionárias. Esses insetos são nômades e não formam ninhos, mas sim legiões que se movimentam devorando tudo que encontram pela frente. Algumas populações indígenas, ao perceberem a aproximação dessas formigas, abandonam suas ocas e deixam que elas façam uma limpeza, se beneficiando disso. Além disso, aves podem acompanhar esses verdadeiros exércitos, se aproveitando de insetos e de outros animais que, na tentativa de escapar das formigas, se tornam mais vulneráveis, acabando capturados pelos pássaros.

Voo nupcial
A reprodução sexuada em formigas geralmente ocorre durante o voo nupcial. Quando machos e rainhas estão sexualmente maduros, eles se encontram durante o voo e copulam. Essa estratégia reprodutiva é vantajosa, por propiciar a dispersão e a exogamia, que é o cruzamento de populações diferentes da mesma espécie. Apesar disso, durante o voo, se tornam vulneráveis à predação, podendo ser capturados por aves ou outros animais.
Machos e rainhas podem perder as asas durante a cópula ou depois. No caso dos machos, quando não devorados por predadores, eles caem no chão e, incapazes de se alimentar sozinhos, estão fadados a morrer rapidamente. Já a rainha perde suas asas e deposita seus ovos, iniciando um novo ninho.

Estudando a Blepharidatta conops
Patrícia contou que, durante seu doutorado, dedicou-se a estudar uma formiga típica do cerrado brasileiro. Essa espécie possui uma estratégia interessante, depositando a carcaça dos animais que serviram de alimento ao redor de seus ninhos. A pesquisadora conta que uma análise detalhada das carcaças indicou que essas formigas pequenas são capazes de se alimentar de insetos muito maiores do que elas, como besouros e formigas grandes. 
Em condições experimentais, Patrícia observou como isso é possível. Oportunistas, essas formigas se aproveitam de insetos que já estão feridos ou debilitados, atacando-os em bando – as presas, fracas demais para se defender, acabam por sucumbir. Mas outra estratégia bastante interessante utilizada por essa espécie está relacionada com o acúmulo de carcaças na boca do ninho. O ninho é construído de tal forma que, quando outro animal é atraído pelas carcaças para se alimentar, ele acaba caindo no ninho e fica preso em uma câmara, onde será atacado por inúmeras formigas e acabará derrotado.

“Qual seria a principal habilidade das formigas? Força, velocidade, o veneno…?”

Patrícia respondeu ao aluno que, se tivesse que fazê-lo, elegeria duas características desses animais que ajudam em seu sucesso: a vida em grupo e a organização de tarefas dos grupos.

Na balança ecológica
Ecólogos indicam que o impacto ecológico que as formigas causam no ambiente em que vivem supera o de muitos animais maiores, como outros mamíferos. Isso porque são animais extremamente diversos e, mais importante, numerosos. De tal forma que a biomassa (o peso seco) estimado de formigas em todo mundo chega a quase 25% da biomassa total de animais.
Patrícia destacou, ao longo de toda sua fala, a diversidade e a importância desses insetos, que apresentam estratégias bastante interessantes de sobrevivência e que estão presentes no mais variados ecossistemas ao redor do mundo. Com indivíduos que dificilmente passam de 4 centímetros de tamanho, mas que representam uma gigantesca variedade ecológica e um mundo ainda pouco explorado. Daí a importância em estudar esses animais que, muitas vezes, são tidos como pragas, desequilibrando a ordem em nossas casas, invadindo os potes de açúcar e tentando roubar nossa comida. Ou o desequilíbrio seria culpa nossa? Algo a se pensar.


Espaço dos alunos

A partir da análise das filipetas do encontro, a equipe da Casa da Ciência produziu este infográfico destacando as principais dúvidas manifestadas pelos alunos e os principais conceitos aprendidos no encontro. A finalidade deste instrumento é a avaliação dos momentos de aprendizagem do aluno e valorização da sua dúvida.


Texto

Autoria: Vinicius Anelli

Edição: Profa. Dra. Patrícia Romano da Silva

Revisão: Profa. Dra. Marisa Barbieri

 

Espaço dos alunos

Análise de filipetas: Luciana Silva

Infográfico: Vinicius Anelli

Diagramação

Vinicius Anelli