Provavelmente você já ouviu falar que a terra tem cerca de 4,5 bilhões de anos de idade, ou seja, nosso planeta foi formado muito tempo atrás. Muito tempo mesmo, muito antes do primeiro ser humano surgir em sua superfície. Mas quanto é realmente esse “muito”? Para ajudar na compreensão, basta seguir a seguinte analogia: se nós comprimíssemos os 13,3 bilhões de anos de idade do Universo em apenas um ano do nosso calendário, isto é, sua origem (o Big Bang) seria o dia primeiro de Janeiro e, o dia de hoje (que você esta lendo esse texto) dia 31 de dezembro, nós teríamos a Terra surgindo em Agosto e a primeira forma de vida apenas em Setembro! Ainda nesse raciocínio, as primeiras formas de vidas multicelulares surgiram apenas em Novembro, plantas com flores e dinossauros (que parecem ter surgido há tanto tempo e no caso dos dinossauros já extintos há 65 milhões de anos) apenas na véspera do Natal. Mas dentro dessa analogia, quando a gente surge? Afinal, já é Natal e nada de um ser humaninho por aqui? Isso mesmo, de acordo com esse calendário o homem surgiu apenas as 23h54min do dia 31 de dezembro!

Tendo em vista esse longo período geológico de história da Terra (4,5 bilhões de anos), os cientistas passaram a dividi-lo em unidades temporais menores, com a finalidade de facilitar o estudo do próprio planeta e de tudo que aconteceu nele. As principais unidades utilizadas são conhecidas como éons, que são compostos por eras, estes formados por períodos que, por sua vez, possuem épocas (Figura 1). Geralmente, as divisões de tais momentos são divididos de acordo com grandes acontecimentos bióticos ou físicos ocorridos em nosso planeta, e as marcas deixadas por esses, como as camadas de sedimentos, formação das rochas e distribuição dos continentes. Por exemplo, o término da conhecida “era dos dinossauros” ou era Mesozoica (composta por três períodos, Triássico, Jurássico e Cretáceo, dentro do éon Fanerozoico) foi marcada pelo grande evento da queda de um meteoro na Terra, que junto às atividades vulcânicas intensas do final do período Cretáceo causou uma grande extinção das formas de vida que aqui existiam, incluindo os famosos dinossauros, algo que você provavelmente já ouviu falar. O vulcanismo, a queda do meteoro e a própria movimentação continental desse período (que definiu grande parte do posicionamento atual dos continentes) deixaram marcas que podem ser estudadas nos dias hoje, tais como modificações das rochas, camadas de sedimentos características e rearranjo da disposição dos continentes, o que permite a diferenciação desse período por geólogos (pesquisadores da estrutura da Terra).

Figura 1: Divisões dos momentos geológicos da Terra (retirado de http://alunosonline.uol.com.br/geografia/eras-geologicas.html).

Mas onde entra o Antropoceno nisso tudo? Apesar do surgimento do homem (cerca de 200 mil anos) ser bastante recente quando comparado à idade da Terra (4,5 bilhões de anos), sua capacidade de ocupar todo o planeta (cosmopolismo) e de modificar o ambiente profundamente (por meio da caça, agricultura, cidades, etc.) e em pouco tempo, tem feito alguns cientistas sugerir que a época até então atual, iniciada depois do último período glacial e conhecida como Holoceno (do período Quaternário, da era Cenozoica e éon Fanerozoico) teria acabado, e nós teríamos entrado em uma nova época que deveria se chamar Antropoceno (antro = homem, ceno = era), uma vez que uma grande modificação biótica e física tem sido causada pelo homem nos últimos tempos.

 

 

A sexta grande extinção em massa da terra

Nosso planeta já passou por diversos eventos de extinção em massa ao longo dos pelo menos 3,8 bilhões de anos desde que a vida surgiu. Porém, cinco se destacam e são conhecidos como as “cinco grandes extinções em massa”, sendo o exemplo mais famoso a já citada extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos atrás (a mais recente deste top 5). Contudo, diversos grupos de cientistas sugerem que atualmente nós estejamos vivendo um sexto período de extinção em massa. Dessa vez, não devido à atividades vulcânicas ou à queda de um meteoro, mas causado principalmente pelas atividades de apenas uma espécie: o ser humano.

Segundo pesquisadores, o homem começou a modificar drasticamente seu ambiente a partir de sua dispersão geográfica do seu ponto de surgimento, as savanas africanas. Os caçadores coletores predavam grandes animais para se alimentar, a conhecida “megafauna”, que são animais definidos com base em seu peso, aqueles com mais de 45kg. Ou seja, o próprio ser humano pode ser considerado parte da megafauna, mas geralmente quando falamos nela nos referimos aos mamutes, preguiças gigantes, tigre-dentes-de-sabre, entre outros extintos nos últimos 12 mil anos, um piscar de olhos do ponto de vista evolutivo e geológico.

A extinção da megafauna comumente é atribuída ao homem (Figura 2), embora outros fatores, como as variações climáticas, possam ter influenciado sua ocorrência. Porém, há cada vez mais evidências da relação causal do ser humano nesse evento, sendo que a maior parte dos cientistas concordam atualmente que o homem foi – se não a única – a principal causa da extinção da megafauna. As principais evidências disso são aquelas que remontam a história de expansão geográfica do Homo sapiens, a partir da África para o resto do mundo, que coincide com o início da extinção da megafauna conforme o tempo de chegada do homem em cada região da Terra.

Figura 2: Pinturas rupestres demonstrando o hábito de caça no cotidiano dos caçadores coletores (retirado de https://historiaparao6ano.wordpress.com/tag/arte-rupestre/).

Assim, atualmente o ser humano pode ser considerado um “super predador”, pois os impactos gerados pela caça e pela pesca, atividades que não são exclusivas ao homem, diferem profundamente daqueles de outros predadores, devido a sua capacidade cultural e tecnológica. Seres humanos caçam em termos de biomassa (massa total de animais mortos) 14 vezes mais do que qualquer outra espécie de predador e, além disso, caça em diversos habitats diferentes que muitas vezes nem sequer ocupa de fato, como os oceanos. Ainda, contrariamente a uma rede alimentar comum, na qual predadores carnívoros costumam ocupar níveis de consumidores de animais menores e herbívoros, o ser humano mata (muitas vezes nem sequer para sua alimentação) animais de topo de cadeia, isto é, caça animais que não costumam ter predadores naturais em seus habitats (Figura 3). Por exemplo, nós caçamos leões, tigres, ursos, tubarões, baleias, entre outros.

Outra diferença é que seres humanos caçam animais adultos enquanto predadores não-humanos geralmente preferem animais imaturos, como juvenis, ou já em idade avançada, devido ao menor risco de se machucar ou gastar energia em uma caça mal sucedida. Curioso notar que nossa espécie se tornou um “super predador” muito recentemente. Apenas após o advento de ferramentas e tecnologia de caça e captura em massa, bem como da caça e pesca esportiva. Assim, não apenas a caça e a pesca são responsáveis pela grande extinção em massa atual, mas sim uma combinação das atividades antrópicas, como destruição de diversos habitats, emissão de poluentes em larga escala e alteração climática. Nossa capacidade predatória, assim como o meteoro que atingiu a Terra durante o Mesozóico e causou a extinção dos dinossauros, é um marco deste período que vivemos e conhecido como Antropoceno.

Figura 3: Redes alimentares em (A) ambientes terrestres (no exemplo Savana) e (B) ambientes marinhos. Note que o homem preda diretamente diferentes nichos tróficos em ambientes que ocupa ou não.

Evidências do Antropoceno

Mas, de acordo com critérios rígidos, quando valeria falar que já estamos em uma nova época geológica? As comissões internacionais responsáveis por essa classificação, formadas por cientistas que estabelecem os períodos geológicos, ainda é um pouco cética a respeito dessa mudança. Do ponto de vista estratigráfico, isto é, estudando as camadas ou estratos das rochas do nosso planeta, ainda não seria possível visualizar uma distinção clara de um novo período geológico. Dessa forma, apesar de ser inegável nossa modificação no planeta Terra, ainda não existiriam modificações físicas suficientes para diferenciar um estrato geológico.

Além disso, não existe um consenso entre os pesquisadores sobre considerar o início do Antropoceno quando o homem dispersa a partir da África (cerca de 60 mil anos atrás), ou quando desenvolve a agricultura (cerca de 10 mil anos atrás), a partir das grandes navegações (cerca de 600 anos atrás) ou segunda revolução industrial (entre cerca de 150 e 50 anos atrás). Todos esses eventos trouxeram grandes modificações para a vida humana e consequentemente para o planeta Terra, mas ainda seria cedo para identificar em estratos geológicos suas consequências nas camadas de sedimentos – já que 60 mil, 10 mil, 600 ou 150 anos são períodos muito curtos numa escala geológico para avaliar os impactos e os efeitos de uma época.

Independente se critérios e padrões de estabelecimento de eras geológicas são atendidos, o fato é que o ser humano vem modificando drasticamente os ecossistemas da Terra, e tal mudança ocorre com grande impacto para toda a biodiversidade que evoluiu nos últimos 3,8 bilhões de anos. O fato de sermos seres capazes de perceber isso, ou o fato de sermos a única espécie capaz de evitar esse processo, nós traz também a responsabilidade de reduzir ou reverter essa situação. Afinal, somos parte do meio ambiente, e dependemos totalmente dele para existir. Se somos a causa, ao menos podemos evitar nos tornarmos vítimas da sexta extinção em massa do nosso planeta.

Texto por Caio M.C.A. de Oliveira

Revisão por Vinícius Anelli

 

Para saber mais

Boris Worm (2015). A most unusual (super)predator. Science, 349: 6250.

Michael Gross (2015). Can we change our predatory ways?. Current Biology, 25.

Yadvinder Malhia e colaboradores. Megafauna and ecosystem function from the Pleistocene to the Anthropocene. PNAS, 113: 4.