Construindo os mais diversos organismos: existem limites para a Evolução Biológica?

O encontro do dia 28 de abril de 2016 contou com a presença da mestranda em Biologia Comparada, Priscila Rothier. Recheada de conteúdos sobre evolução biológica, a palestra permitiu relações com outros encontros deste ano, em especial, com o primeiro dia do Adote um Cientista do semestre: isso porque Priscila é orientada pela Profa. Dra. Tiana Kohlsdorf, do Departamento de Biologia (FFCLRP/USP), que ministrou a primeira palestra do ano!
Priscila iniciou sua fala contando que a pergunta que norteia os estudos em Evolução é a diversidade da vida: “Como é estabelecida tamanha diversidade? Se olharmos para a variedade de formas na natureza, a impressão que temos é de que a evolução biológica não tem limites”, provocou.
Mas por que, então, algumas formas não existem? A pesquisadora mostrou figuras de diversas criaturas mitológicas, como centauros e sereias, e indagou aos alunos porque essas formas não podem ser encontradas na natureza.
Talvez possamos trabalhar com duas hipóteses”, ela contou. “A primeira é de que essas formas existem ou existiram, mas não somos capazes de observá-las. A segunda hipótese é de que essas formas não são possíveis de existir, e é nesta que iremos focar…”.

 

Antes de discutir mais a fundo as limitações da evolução biológica, Priscila explicou um pouco melhor o que é isso. Ela contou que evolução é a “mudança das propriedades de grupos de organismos ao longo de gerações” e explicou como a seleção natural atua sobre a variação populacional e também como ocorre a especiação. O objetivo desse bloco, segundo ela, era que os alunos conseguissem utilizar uma árvore filogenética como ferramenta para seus estudos, entendendo sobre o que se trata e o que ela representa.
(Para mais informações sobre o assunto, confira a seção Ciência em Foco!)

 

Sobre a inexistência de formas na natureza, Priscila explicou que isso pode se dever a fatores externos e internos. Externos se referem a dois processos, dos quais todos os tipos de formas acabam sendo resultantes: o desenvolvimento (ontogenia; uma associação entre genótipo e ambiente) e a evolução (a história evolutiva da linhagem). Ela contou que há “casos aberrantes” na natureza, como ciclopes (animais que nascem com apenas um olho central), animais com patas nas costas, animais com duas cabeças, ou mesmo com partes do corpo fusionadas. Apesar disso, essas características não conferem aptidão e, portanto, não são selecionadas pelo ambiente. São exceções e não definem linhagens evolutivas.

Por outro lado, os fatores internos estão associados a restrições físico-químicas, restrições genômicas e também restrições filéticas (relacionadas à ancestralidade). A pesquisadora contou que quando começou-se a investigar a ontogenia dos seres vivos, percebeu-se que os estágios iniciais do desenvolvimento dos animais é conservado, uma vez que ele é responsável pela formação do plano corpóreo básico. Essa conservação explica porque embriões em estágios iniciais de diferentes vertebrados são praticamente iguais entre si – algo que também foi trabalhado na palestra da Prof. Tiana (veja aqui).
priscila3É nos estágios mais tardios, quando os embriões de diferentes espécies começam a parecer mais com suas formas adultas, que a variação ocorre no desenvolvimento. Priscila disse, por exemplo, que os tetrápodes, grupo de vertebrados que inclui anfíbios, “répteis”, mamíferos e aves, tem um padrão corpóreo com quatro membros. Por que isso? Ela explicou que, ao reconstruirmos a história evolutiva do grupo, infere-se que esses animais derivaram de uma linhagem de peixes que possuía nadadeiras pareadas – ou seja, os membros dos tetrápodes são modificações dessas nadadeiras. Essa ancestralidade é refletida no desenvolvimento e está associada à conservação de um plano corpóreo básico com quatro membros no grupo. Nos estágios iniciais do desenvolvimento, portanto, é possível notar essa “programação” ancestral do plano básico, de tal forma que os animais pertencentes a essa linhagem tem a “restrição” de apresentar apenas quatro membros.
Mesmo assim, a diversidade desses quatro membros, no grupo, é muito grande. Baleia (mamífero), pinguim (ave), canguru (mamífero), camaleão (“réptil”), sapo (anfíbio) e morcego (mamífero), são animais tetrápodes que exibem uma diversidade grande em seus quatro membros. Priscila explicou que o desenvolvimento afeta a forma do membro, associada à função, que tem influência direta na aptidão desse animal no ambiente. A seleção natural atua sobre a aptidão, selecionando formas que trazem mais vantagens aos organismos, mas isso sempre dentro das possibilidades de forma que aquela linhagem oferece.

Priscila mostrou aos alunos que a vida é restrita. Não só no sentido de que ela depende de diversas variáveis e condições para ocorrer, mas porque existem fortes restrições internas que limitam a variação morfológica. A seleção natural, por sua vez, possui um substrato limitado de atuação, de tal forma que a evolução morfológica é canalizada por fatores externos e internos.
Apesar de relação direta com outras palestras sobre Evolução que foram ministrada neste primeiro semestre (confira outros Adote em Pauta aqui), os alunos têm demonstrado certa dificuldade em estabelecer conexões entre elas. Fernando Trigo, biólogo da Casa, discutiu com os alunos, com a ajuda de Priscila, sobre a relação entre genótipo e fenótipo. Vinicius Anelli, também biólogo, trouxe algumas considerações sobre convergências adaptativas e sobre o caso das serpentes, que apesar de pertencerem ao grupo dos tetrápodes, não possuem pernas.

priscila2Algumas perguntas foram levantadas pelos alunos ao fim da palestra. Um dos alunos quis saber se “a cobra, que não tem membros, é perceptível no estado de conservação?”. A pesquisadora contou que o broto do membro anterior não se forma nos estágios iniciais do desenvolvimento.
Outra aluna quis saber se “os lagartos que nasceram com duas cabeças, eles sobrevivem por muito tempo ou tem algo que poderia separar e a genética mudaria?”. Priscila disse que na natureza, isso é muito raro, então provavelmente esses indivíduos morrem logo. Ela disse, também, que é diferente quando isso acontece em condições laboratoriais, porque aí, se for de interesse, pode ser feita a separação cirurgicamente. Sobre o genótipo, ela conta que gêmeos siameses que vieram de um mesmo embrião apresentam o mesmo genótipo; se for um caso de embriões distintos, pode ser que as partes fusionadas tenham uma miscelânea de genótipos, mas o genótipo em si não muda ao longo da vida.
Uma pergunta que chamou a atenção da pesquisadora foi: “Se as cobras têm um ancestral lagartos, e o ambiente impôs… sugeriu que elas não tivessem patas (a perda delas) … é possível o ambiente selecionar novamente que ela voltem a ter?”. “Talvez sim”, explicou Priscila. “Depende de como o desenvolvimento é afetado. Ás vezes os genes estão ali, mas apenas não são expressos”.

A palestra da mestranda Priscila Rothier trabalhou um tema integrador das Ciências Naturais, sem deixar de trazer o que há de mais novo nas pesquisas em Biologia Comparada. A Profa. Dra. Marisa Barbieri, coordenadora da Casa da Ciência, sugere, em conversa informal sobre a aparente dificuldade dos alunos em estabelecer relações entre as palestras que abrangem a Evolução Biológica, que o desafio seja lidar com uma visão de mundo diferente daquele que os alunos estão acostumados. A Biologia Evolutiva faz com que olhemos para a vida com outras lentes e, talvez, para os alunos que estão tendo contato pela primeira vez com a evolução biológica (como eixo integrador), entendê-la e aceitá-la seja uma tarefa bastante desafiadora. Mas, uma vez alcançada, a Evolução permite que contemplemos as maravilhas do mundo natural.

 

texto por Vinicius Anelli