Helder Teixeira de Freitas é formado em biologia, com mestrado na área de biologia celular e doutorando em oncologia. Um pesquisador com tal trajetória acadêmica sabe a importância da microscopia para o desenvolvimento de pesquisas científicas. Na tarde do dia 21 de agosto de 2014, Helder apresentou aos alunos do programa Adote um Cientista mais sobre o que fundamenta o uso do microscópio e o que essa ferramenta imprescindível à ciência nos tem a oferecer.

O Tamanho das Coisas

Helder iniciou sua fala mostrando aos alunos as diferentes escalas de tamanhos de tudo que existe no Universo (acesse a página aqui): “O ser humano possui em torno de 1,7 metros. Estamos aqui, então, na escala de metro. Dando um zoom nessa escala, podemos observar um palito de fósforo com 5 centímetros. Um grão de café possui 1 cm. Partindo para a escala de milímetros e micrômetros, temos o papel, com espessura de 150 micrômetros, enquanto um fio de cabelo possui largura de 100 micrômetros. (…). Mas nosso olho tem uma resolução capaz de enxergar apenas até 100 micrômetros. Esse é o tamanho do menor objeto visível a olho nu”.

Para se ter uma ideia, o óvulo é a maior célula do corpo humano, e possui 120 micrômetros. Uma célula da pele, porém, já possui 35 micrômetros. Não conseguimos vê-la sem o auxílio de alguma ferramenta óptica. Imagine, então, pesquisadores que precisam ver (estudar, compreender!) estruturas como a mitocôndria (4 micrômetros), o vírus do HIV (90 nanômetros) ou mesmo a molécula de DNA (3 nanômetros de largura)… além de outras muito menores, como moléculas bem pequenas ou mesmo estruturas atômicas. Lembre-se que um milímetro contém 1000 micrômetros e que 1 micrômetro equivale a 1000 nanômetros (ou seja, 1 nanômetro corresponde a 1 x 10-9 metros, que seria o mesmo que pegar 1 metro e dividir por 1 bilhão!).

Embora o holandês Zacharias Jansen e seu pai, Hans, tenham sido os primeiros cientistas a colocar lentes em um tubo e observar que um objeto posicionado ao final desse tubo era consideravelmente ampliado, é atribuído a Anton van Leeuwenhoek o uso do primeiro microscópio verdadeiro, no final do século XVII. Do início da microscopia aos dias de hoje, os microscópios melhoraram drasticamente, aumentando (e muito) nossa capacidade de visualizar estruturas não observáveis a olho nu.

 

O Microscópio

Microscópio é um aparelho com lentes ópticas que maximiza um ser ou estruturas minúsculas a um tamanho de boa observação”. Foi assim que Helder definiu, inicialmente, um microscópio. Ele ainda acrescentou que um microscópio é um sistema de lentes combinadas que são colocadas de forma a ampliarem a imagem do objeto.

Um microscópio age em dois aspectos: na ampliação e na resolução do objeto observado. Ampliação é a capacidade de fazer um objeto parecer maior do que ele realmente é. Já a resolução é a capacidade de discernir duas estruturas distintas que estejam juntas. No caso, também é preciso diferenciar dois conceitos relacionados à óptica: poder de resolução e limite de resolução. O poder de resolução é a capacidade de uma lente em formar detalhes mínimos. Já o limite de resolução é a menor distância entre dois pontos distintos do objeto que poderão ser individualizados na imagem final.

Existem, basicamente, dois tipos principais de microscópio: o microscópio óptico (ou de luz) e o microscópio eletrônico – sendo os mais comuns desse tipo o microscópio eletrônico de transmissão e o microscópio eletrônico de varredura. A um microscópio, podem estar acoplados diversos outros aparatos, tais como câmeras (para se registrar o que está sendo observado) ou fontes de luz finamente reguláveis, embora sua estrutura básica seja, geralmente, a mesma.

 

O tal do microscópio de luz

Um microscópio de luz possui dois conjuntos de estruturas: a parte mecânica, que atua como suporte, e a parte óptica, que é suportada pela outra. A parte óptica é o conjunto de lentes responsável por fornecer a imagem ampliada e com determinada resolução de certo objeto. Ela é constituída por três sistemas de lentes: o condensador, as objetivas e as oculares.

A fonte de luz emite um raio de luz que irá passar pelo condensador, pelas objetivas e pelas oculares, chegando ao olho do observador. Entre o condensador e as objetivas é posicionado o objeto a ser observado. A imagem final desse objeto será maior do que o tamanho real do objeto, sendo o aumento final determinado pela capacidade de aumento da objetiva e o aumento da ocular (que é, geralmente, de 10 vezes).

A lente condensadora agirá formando um cone de luz que passa pelo objeto e chega até a lente objetiva. A objetiva irá, então, projetar uma imagem aumentada no plano focal das oculares que, por sua vez, irão novamente ampliá-la. As imagens fornecidas pelas oculares, por fim, podem ser percebidas pela retina.

 

 

Aluna: Por que quando nós vamos olhar no microscópio temos que tirar os óculos?
Helder: Em geral, a gente não precisa tirar os óculos. Por exemplo, se eu tirar os óculos eu não enxergo nada.
Aluna: Mas ele altera um pouco a imagem final?
Helder: Não. Os nossos óculos são utilizados para corrigir uma deficiência nossa. Isso não vai interferir na imagem do microscópio. (..)  Se você olhar com os óculos alguma coisa no microscópio e outra pessoa que não precisa de óculos também olhar, vocês vão enxergar a mesma coisa. Então é sempre interessante que você observe com os óculos.
Aluno: Mas se você tirar os óculos, você não consegue regular a imagem?
Helder: Depende do problema que a pessoa tiver. Se for, por exemplo, um astigmatismo, não dá pra ajustar, achar o plano focal pelo microscópio. Em geral, é recomendado que os óculos sejam utilizados para trabalhar com o microscópio (…). Há também o fato de que o meu plano focal pode ser diferente do seu, por conta das nossas diferenças do olho. Para isso nós podemos dar uma ajustada, mesmo que mínima, no micrométrico, para que duas pessoas possam enxergar corretamente a mesma imagem. É muito importante que cada um faça seu próprio ajuste de plano focal. A variação é bem pequena, mas o ajuste é necessário.

 

A riqueza de detalhes que um microscópio oferece é determinada não por seu poder de aumento, mas sim por seu limite de resolução. Nesse sentido, os microscópios eletrônicos são mais poderosos que os microscópios ópticos por possuírem um poder de resolução bem maior.

 

Microscópio eletrônico

Enquanto o menor objeto observável pelo olho humano possui 100 micrômetros e o microscópio óptico possui um limite de quase 0,2 micrômetros de resolução, os microscópios eletrônicos atingem limite de resolução de 0,2 nanômetros.

Na microscopia eletrônica, ao contrário de um feixe de luz, são utilizados elétrons que são acelerados e focalizados, o que faz com que eles colidam com a amostra. O avanço da microscopia eletrônica foi possível a partir da descoberta de que elétrons possuem comportamento ondulatório semelhante ao dos fótons da luz. Embora a estrutura e os fundamentos por trás do funcionamento de um microscópio eletrônico sejam similares aos do microscópio de luz, há algumas diferenças.

Enquanto as lentes do microscópio óptico são de vidro, as do microscópio eletrônico são eletromagnéticas, ou seja, imãs capazes de concentrar os elétrons, assim como o condensador da microscopia óptica. A amostra é colocada em uma grade de metal (de cobre ou níquel) e a imagem formada depende de variações da densidade e do contraste.

Os dois tipos principais de microscópio eletrônico mantém a mesma configuração básica, mas com algumas diferenças. No microscópio eletrônico de transmissão, os elétrons passam através da amostra antes de formar a imagem. Já no microscópio eletrônico de varredura, os elétrons batem na superfície da amostra e, então, são refletidos, sendo formada a imagem. Esse caminho simplificado do feixe de elétrons já permite entender porque as imagens fornecidas por cada um desses tipos de microscópio diferem tanto uma da outra: a imagem do microscópio de transmissão possui uma configuração plana, enquanto a do microscópio de varredura é tridimensional, dando ideia de profundidade.

Enquanto no microscópio de luz e no eletrônico de transmissão é preciso ser feito um corte bastante fino para que a amostra possa ser observada, no de varredura é possível se observar uma estrutura intacta como, por exemplo, a cabeça de um mosquito.

 

Aluno: Se eu cortasse uma amostra e colocasse no microscópio eletrônico de varredura, o que aconteceria?
Helder: Você vai ter uma visão da superfície externa, mas do seu corte. Por exemplo, eu tenho uma laranja. Se eu colocar a laranja inteira, eu verei apenas a superfície da casca. Se eu cortar, eu vou ver a superfície daquele interior que está disponível.
Aluno: Mas se você cortar, você vai ver com a mesma qualidade do outro?
Helder: Do de transmissão? Não. O de transmissão mostra detalhes muito melhores. O de varredura é realmente utilizado só para mostrar a superfície. Pesquisadores geralmente usam o de varredura para mostrar a interação (…), por exemplo, de um parasita entrando em uma célula.

Aluno: É possível se observar o DNA a partir do microscópio de varredura?
Helder: De varredura? Existem algumas técnicas nas quais você congela a célula e quebra ela. O nome disso é criofratura. Você quebra essa célula congelada e se esse corte, essa quebra, for na região do núcleo, você consegue sim ver os emaranhados do DNA. Mas, é claro, na microscopia de transmissão isso fica bem melhor.

Para cada investigação, uma ferramenta
Helder mostrou aos alunos, então, três imagens obtidas através de diferentes técnicas de microscopia, pedindo que eles identificassem qual imagem correspondia à qual microscópio. Os alunos sabiam, com aparente facilidade, distingui-las.

 

Aluno: De todos os microscópios, óptico, de varredura e de transmissão, qual é o melhor para análises num contexto geral: células, escamas, organelas… qual que é o melhor microscópio?
Helder: Eu não posso te responder, porque tem o melhor para cada coisa. Se eu quero olhar células do sangue, o microscópio óptico é muito bom, eu vou conseguir ver e definir. Agora, se eu levar pra transmissão, além do gasto que eu vou ter para preparar essa amostra, para cortar ela, pra levar ela pra transmissão ou varredura… (…) e, por exemplo, na varredura, eu não vou conseguir ver o núcleo da célula. Então, para cada caso tem um melhor. Tem a fluorescência, que é sempre muito útil para quem faz pesquisa. Com a florescência você pode identificar o que tem em cada região e isolar isso das outras coisas. Por exemplo, eu quero marcar de verde fluorescente a proteína actina. Então eu vou conseguir marcar só ela e vou isolar isso. É claro que o de transmissão tem um poder de resolução maior, mas às vezes não é o que você precisa. Portanto, para cada situação, existe o melhor microscópio a se usar.

Helder trouxe aos alunos, também, um pouco mais sobre o uso de corantes e fluorescência na microscopia. O corte posicionado para observação é muito fino, o que fornece uma imagem sem cor. O uso dessas substâncias facilita a visualização de características desejadas, tais como o núcleo de células sanguíneas. O pesquisador destacou que o uso de substâncias fluorescentes é uma técnica de coloração indireta e que, geralmente, utiliza anticorpos. Em pesquisas, a manipulação de anticorpos ampliou consideravelmente as possibilidades dos estudos, uma vez que anticorpos carregando marcadores fluorescentes se ligam a estruturas bastante específicas, podendo-se determinar com cuidado, por exemplo, qual região ou estrutura da amostra observada ficará verde na imagem final. 

Fica claro, ao fim do encontro, que a microscopia não só é uma técnica revolucionária para o desenvolvimento da ciência, como também precisou da ciência para ser desenvolvida. Um sistema de lentes cuidadosamente montado é capaz de ampliar em muitas vezes imagens microscópicas. Sem isso, seria impossível conhecer, por exemplo, o funcionamento e a estrutura de anticorpos. Esses, por sua vez, elementos-chave no sistema imunológico, permitiram o surgimento de uma técnica que amplia finamente as possibilidades trazidas pela própria microscopia – ou seja, a microscopia traçando avanços que conduzirão melhorias na própria microscopia.

 


Ao falar sobre o uso de microscopia na pesquisa, Helder deu como exemplo o estudo que conduz em seu doutorado. Um breve relato de seu trabalho foi o suficiente para incitar a curiosidade dos alunos.

Helder explicou que extrai o sangue de cordão umbilical doado por pacientes da maternidade e passa esse sangue por um processamento, que irá separar as células T (um tipo de célula do sistema imunológico) dos outros componentes sanguíneos. Inicialmente, essas células T são naive, ou seja, que ainda não tiveram qualquer contato com antígenos, uma vez que o bebê, dentro do útero da mãe, se encontra em um ambiente protegido. “É por isso que bebês estão bastante suscetíveis a infecções e doenças, já que seu sistema imunológico não está completamente formado”, explicou ele. Helder provoca a transformação, em laboratório, da célula T naive em célula T regulatória. Células T regulatórias são importantes células do sistema imunológico que estão associadas ao próprio controle da resposta imune, à manutenção da tolerância a antígenos do próprio organismo e, também, à doenças autoimunes. Por isso mesmo, o estudo pode trazer avanços no tratamento não só de doenças autoimunes, como também de câncer, além de avanços associados a casos em que ocorre rejeição, por parte do organismo de algum paciente, a órgãos transplantados.

 

Algumas perguntas trazidas pelos alunos referentes ao estudo do pesquisador

 

“O que seria uma célula T regulatória?”
Helder: É um tipo de célula T, ou seja, pertencente ao sistema imunológico, que responde ao ambiente com uma ação anti-inflamatória. As células T, cujos tipos mais comuns são T CD4 e T CD8, são responsáveis por matar os patógenos. Elas liberam fatores, os fatores inflamatórios, que geram a inflamação. Ou seja, a célula T comum, CD4 e CD8, gera a resposta inflamatória para que o nosso corpo possa combater esses patógenos. Já a célula T regulatória tem um papel contrário. Essa controla a atividade das células T CD4 e CD8, secretando citocinas e outros fatores que são anti-inflamatórios, que reduzem e modulam essa resposta. Isso é importante porque o sistema imunológico age para nos defender. Só que, se não for bem regulado, ele pode acabar prejudicando nosso próprio corpo, como ocorre em doenças autoimunes (…).”

 

“Qual a função das células T naive?”
Helder: As nossas células T tem a capacidade de responder a uma diversidade de patógenos. Por exemplo, nesse ano tem uma gripe afetando várias pessoas. Nosso corpo vai desenvolver imunidade à doença, eventualmente, mas no próximo ano, um vírus diferente vai causar uma gripe diferente. As nossas células T são responsáveis por responder a cada mudança, a cada variação de antígeno. As células T naive são importantes porque elas não têm reconhecimento antigênico, elas ainda não estão comprometidas com o vírus da gripe desse ano, por exemplo. Naive quer dizer virgem, sem contato com nenhum antígeno (…). Ela é importante porque a todo o momento, estamos entrando em contato com antígenos novos. Então, as células T naive vão se tornar responsáveis por responder a um novo antígeno.”

 

“As células do embrião que você diz estudar são células primárias ou especializadas?”
Helder: As células T naive não são completamente primárias. Eu trabalho com o que a gente chama de uma cultura primária. Elas não vêm do embrião, mas sim do cordão umbilical. Eu pego o cordão umbilical, extraio uma amostra de seu sangue e coloco em cultivo no laboratório. Sempre que fazemos isso, com amostras de algum animal, nós chamamos isso de cultura primária. Nessa cultura eu terei uma diversidade de células: hemácias, células T, etc… As células T naive, que são as células do meu interesse, são um pouco primárias. Elas seriam mais primárias se fossem células-tronco da medula óssea, uma vez que é de lá que vêm as células T naive. Mas elas ainda estão na etapa da diferenciação… ainda não é uma célula T comprometida com a gripe, por exemplo, não é uma T CD8. Ela ainda mantém a capacidade de se diferenciar um pouco mais.”

 

“Tem como eu reverter esse processo? Pegar uma célula que já tem uma função e fazê-la voltar a ser…”
Helder: Tem! Esse processo é conhecido como indução de pluripotência. É uma técnica bem recente, de 2011. Pesquisadores japoneses pegaram fibroblastos – que são células da pele – e inseriram quatro fatores de transcrição. Fatores de transcrição são moléculas que atuam no nosso DNA. É claro que eles foram determinados e estudados antes de seres inseridos (…). E esses fatores de transcrição fizeram com que os fibroblastos se tornassem células pluripotentes, similares a células embrionárias, ou seja, com capacidade de se diferenciar em células das três camadas germinativas: mesoderme, endoderme e ectoderme. Então sim, é possível fazê-lo.”

 

“Gostaria de saber se daria para mudar a função de uma célula mutante. Você falou de mudar a função de uma célula normal… daria certo para uma célula mutante também?”
Helder: Olha, a mutação é muito difícil de reverter. Sendo muito sincero, eu não sei se dá para reverter. Eu acho que não. O que vocês diriam? (…) Nosso organismo já possui mecanismos de controle para evitar essas mutações (…). Nós temos uma maquinaria biomolecular que vai deletando, cortando essas mutações a nível de DNA. Mas existem algumas mutações que eu acredito que não tenha como se reverter. Por exemplo, se eu gero uma célula completamente mutada, por exemplo, acredito não tenha como reverter… (…). Eu sei que reverter a mutação não é possível, mas compensar algum problema, sim. Se não me engano, há um fator de coagulação, né… eles fizeram terapia gênica para fator de coagulação. Por exemplo, existe a mutação, então como revertê-la? Insere-se um gene que funcione normalmente, então em alguns casos, sim.


Espaço dos alunos

A partir da análise das filipetas do encontro, a equipe da Casa da Ciência produziu este infográfico destacando as principais dúvidas manifestadas pelos alunos e os principais conceitos aprendidos no encontro. A finalidade deste instrumento é a avaliação dos momentos de aprendizagem do aluno e valorização da sua dúvida.

  


Texto

Autoria: Vinicius Anelli

Revisão: Profa. Dra. Marisa Ramos Barbieri e Gisele Oliveira

 

Espaço dos alunos

Análise de filipetas: Luciana Silva

Infográfico: Gisele Oliveira

 

Diagramação

Vinicius Anelli