É muito mais frequente do que eu gostaria. Quantas vezes eu estou fazendo alguma atividade do meu cotidiano, escrevendo esse texto por exemplo, e começa uma coceira incômoda as vezes acompanhada de uma leve ardência na altura dos meus tornozelos. Fui picado! Provavelmente por um representante da família Culicidae, que engloba animais conhecidos como mosquitos ou pernilongos. Como exemplos posso citar o Aedes aegypti (Mosquito-da-dengue), transmissor da dengue, febre amarela e chikungunya, o Culex (Pernilongo), que pode transmitir filariose embora, geralmente, não seja motivo para muita preocupação, e o Anopheles (Mosquito-prego), conhecido por transmitir malária, principalmente em algumas regiões da África (Figura 1).

Quando eu percebo o calombo formado no meu tornozelo já é tarde demais, esse já foi o fim da picada. Mas porque o mosquito me picou? E como foi que ele me achou aqui? Ainda, como ele soube que eu era um ser humano e não outro animal qualquer? Nesse texto procurarei responder essas perguntas, explicando como foi o começo e o meio dessa picada que tanto me coça agora.

Um exemplo do ciclo de vida dos mosquitos

Para começarmos a responder essas perguntas, vamos conhecer como exemplo um pouco mais sobre o Aedes aegypti, começando pela pronúncia do seu nome que é “aédes egípti” mesmo. Aedes é uma forma latinizada do grego para “édus” que significa agradável, com a partícula de negação “a” na frente, ou seja, algo como “desagradável”. Já aegypti se refere ao Egito, país do qual foi descrito a espécie.

Uma vez apresentados vamos ao seu ciclo de vida (Figura 2). Os ovos dos mosquitos-da-dengue são depositados pelas fêmeas próximo de água parada, como aquele vaso de planta cuja bandeja esqueceram de colocar areia e lixo em geral jogados na rua ou em terrenos baldios (espero que não por você). A eclosão dos ovos ocorre após um período chuvoso, quando eles entram em contato com a água, dando origem à larva do mosquito. A larva, por sua vez, é aquática e se alimenta da matéria orgânica presente no criadouro. O desenvolvimento larval completo leva em torno de 5 dias. Após isso, no último estágio larval, a larva se transforma em uma pupa, fase a partir da qual ocorrerá a metamorfose em um mosquito adulto, após 3 dias. Uma vez adulto, o mosquito realiza a cópula durante o voo. Para fechar o ciclo, a fêmea busca se alimentar de sangue humano (grande parte dos mosquitos Culicidae são hematófagos), fonte de alimento necessária para o desenvolvimento dos ovos produzidos após a cópula que estão em seu abdômen.

Um GPS eficiente

Os mosquitos utilizam pistas no ambiente para se orientar, o que funciona como um sistema de navegação para eles encontrarem sangue. As principais pistas que sabemos ser utilizadas por eles são o dióxido de carbono (CO2) exalado na respiração dos animais vertebrados, odores causados por produtos do metabolismo que ficam em nossa pele, assinaturas visuais, e o próprio calor e umidade de suas “vítimas” (nesse caso, eu). Porém, foi de acordo com a distância que o mosquito estava de mim que essas pistar foram utilizadas com diferentes intensidades (Figura 3). A detecção de um ser por um mosquito começa a partir de uma distância de cerca de 10 metros entre eles. Nessa distância, as alterações da concentração de CO2 da atmosfera devido a um fluxo desse gás oriundo da minha respiração chamou atração de uma mãe esfomeada, que passou a voar na minha direção. Conforme sua aproximação, ela foi capaz de perceber odores que eu exalava, os quais caracterizam um ser humano, como por exemplo altas quantidades de ácido lático e amônia (mas também uma combinação de ácidos carboxílicos e acetato). Além disso, conforme mais próximo de mim, o mosquito foi capaz de perceber visualmente minha silhueta e sentir meu calor e umidade, pistas essas que também auxiliaram seu pouso no meu tornozelo.

Depois disso, foi só fartura, e meu sangue serviu de fonte de energia para o desenvolvimento dos ovos dessa fêmea. Como eu poderia ter me prevenido? Repelentes de insetos funcionam justamente visando confundir a identificação de nossos odores por esses animais, outra dica seria utilizar roupas claras atrapalhando a identificação de minha silhueta. Tarde demais.

Por que eles me picam, e não meu amigo ao lado? Eu, e não meu cachorro? Eu, e não QUALQUER outra coisa?!

Existem mais de 3000 espécies de mosquitos (família Culicidae) conhecidos pelos pesquisadores, isto é, formalmente descritos e nomeados por especialistas no grupo. A maior parte deles é oportunista e costuma sugar sangue dos animais vertebrados mais facilmente encontrados nos ambientes em que vivem. Assim, geralmente espécies de mosquitos até apresentam certa especialização quanto aos animais que irão consumir sangue, mas em um nível de grandes grupos de animais. Por exemplo, uma espécie X de mosquito é “especializada” em mamíferos, outra Y em aves ou lagartos, mas raramente são especializados em grupos menores dentro desses, como apenas cachorros, pardais ou lagartos teiús, respectivamente.

Contudo, é impressionante como algumas espécies se especializaram em encontrarem e se alimentarem de uma espécie, como acontece com a gente. Alguns exemplos de mosquitos especializados em encontrar e se alimentar de nosso sangue são os representantes do gênero Anopheles e o Aedes aegypti (Figura 3B). Mais impressionante ainda é saber que esse processo evolutivo de adaptação ocorreu mais de uma vez, independentemente! Especialistas sabem que essas espécies não são muito aparentadas, tendo o último ancestral comum entre elas existido há mais de 150 milhões de anos (na época dos dinossauros!), muito antes de qualquer ser humano existir na face da Terra (o que só aconteceu entre 200-300 mil anos atrás). Assim, acredita-se que duas linhagens independentes (que podem ser representadas pelos Aedes e Anopheles) se adaptaram na busca e consumo de sangue humano, provavelmente entre 15-10 mil anos atrás, quando seres humanos começaram a formar aglomerados e comunidades estáveis.

Tudo bem, mas eu não era a única pessoa na sala! Por que EU? Sabe-se que mosquitos tem preferências por determinadas pessoas e é bem possível que você seja uma delas ou ao menos conheça alguém que seja (eu certamente sou). Entretanto, ainda não se conhece uma combinação exata de pistas existentes individualmente que poderiam ser a causa de tal preferência. O mais provável é que exista uma combinação de elementos, como os odores produzidos por cada um de nós, que podem inclusive ter herança genética (talvez coincidência, mas meu pai também sempre é picado), além, é claro, da própria plasticidade de comportamento dos mosquitos de acordo com as situações – como, por exemplo, a preferência de uma fêmea por um tipo de “vítima”, ao invés de outros.

Ufa, já me sinto mais aliviado. A coceira está passando e ter aprendido tanta coisa a partir de uma situação cotidiana como essa certamente me mostra que devo prestar mais atenção no meu dia a dia e ter mais curiosidade sobre tantas coisas que me cercam. Dessa vez, ao menos, o fim da picada se tornou o começo de aprendizagem e conhecimento. E só para ter certeza, vou checar se não fui eu que deixei água parada em algum lugar por aqui, sendo responsável pela proliferação desses “incômodos” insetos. Até logo!

Autor: Caio M.C.A. de Oliveira

Revisão: Vinicius Anelli e Marisa Barbieri

Para saber mais

Carde, R.T. 2015. Multi-Cue Integration: How Female Mosquitoes Locate a Human Host. Current Biology, 25, R793-R810.

Carolyn, S.M. 2016. Genes and Odors Underlying the Recent Evolution of Mosquito Preference for Humans. Current Biology, 26, R41-R46.

Santos, V.S. 2017. “Ciclo de vida do Aedes aegypti”. Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/animais/ciclo-vida-aedes-aegypti.htm>. Acesso em 04 de julho de 2017.