Ao longo do primeiro semestre de 2016, os alunos participantes do programa Adote um Cientista tiveram a chance de aprender mais sobre a evolução biológica, sobre a bioinformática como ferramenta importante para a ciência, sobre a física e a química que estão em um produto cosmético, sobre o comportamento reprodutivo dos animais vertebrados e sobre diabetes, dentre outros assuntos incríveis. A memória é imprescindível para que os conteúdos aprendidos em todos esses encontros reverberem nas aulas das escolas e, talvez, ao longo da vida desses alunos. Sempre estimulados a tomar nota, os alunos podiam escolher entre contar com a memória escrita, aquela que fica registrada no papel à tinta, ou confiar na própria memória – aquela que fica… onde mesmo?

Na palestra de encerramento do semestre, o Adote contou com a presença do neurocientista Matheus Rossignoli, parceiro de longa data da Casa da Ciência, que já ministrou palestras memoráveis no programa. No encontro da tarde do dia 9 de junho, o doutorando trouxe todo seu entusiasmo aos alunos, reiterando o prazer que sente sempre que vem nos visitar. E ministrou, mais uma vez, uma palestra memorável que, ainda bem, ficará registrada em nosso site – uma das marcas da Casa, convenhamos!

 

Matheus iniciou a palestra provocando os alunos, e desafiou-os a não tomar nota, registrando apenas o que julgassem imprescindível de sua fala. Essa atividade é resultado de uma conversa com a equipe da Casa, que vem notado as dificuldades dos alunos novos em utilizar o caderno de anotações como ferramenta de registro.

 

Não somos quem somos simplesmente porque pensamos. Somos aquilo que somos porque podemos lembrar aquilo que pensamos

(Squire & Kandell, 2003 – Memória: da mente às moléculas)

 

 

Através de uma exposição dialogada, sempre receptivo às preconcepções trazidas pelos alunos, Matheus voltou aos trabalhos pioneiros da neurociência sobre a memória para tentar responder à grande pergunta: onde fica a memória em nosso cérebro?

Logo de início, os alunos mostraram que memória não é um tema inteiramente novo para eles, mas trouxeram noções bem superficiais sobre o assunto. Quando perguntados “o que é a memória”, não conseguiam defini-la de fato, mas citavam “lembranças”, “imagens”, relacionavam “com os pensamentos”, e diziam se tratar de “algo que tem a ver com o cérebro”. Matheus definiu memória como a aquisição, a consolidação e a evocação de informações e mostrou aos alunos que não é restrita a uma parte do cérebro, mas relacionada a uma série de estruturas específicas.

Matheus mostrou que os primeiros experimentos que procuravam entender onde a memória se localizava no cérebro consistia em remover partes do cérebro, cirurgicamente, e ver como isso afetaria o indivíduo. Um caso de grande importância foi o do paciente H.M. (sigla para Henry Gustav Molaison), um menino que foi atropelado por uma bicicleta e teve um traumatismo craniano. Quando adulto, passou a desenvolver epilepsias severas, e os médicos decidiram remover seu hipocampo, o que acarretou em sua cura. Porém, após a remoção, notou-se que o paciente se lembrava de sua infância e de acontecimentos anteriores à cirurgia, mas se tornou incapaz de formar novas memórias. O caso do paciente H.M. foi essencial para que se determinasse o papel do hipocampo na consolidação de novas memórias, e ajudou pesquisadores a descobrir que existe mais de um tipo de memória – memórias de curta e longa duração, e aquelas imediatas; memórias declarativas e não-declarativas.

Hoje sabe-se que diversas áreas do cérebro estão envolvidas com a memória, e que memórias recentes são “armazenadas” em uma região (temporal), enquanto memórias mais antigas ficam em outra (lobo frontal). Muito tem sido estudado desde então, como o papel do sono e das emoções na formação das memórias, como a atividade dos neurônios está envolvida com a memória, e tantas outras.

 

Diversas perguntas surgiram ao fim da fala de Matheus. Dentre elas, destaca-se “existem casos de amnésia em que a pessoa, por exemplo, bate a cabeça e esquece de tudo, mas vai se lembrando aos poucos, como isso acontece?”, “a memória está no cérebro ou é uma atividade do cérebro?”, “o que faz com que a memória migre de uma parte do cérebro pra outra?”, “por que algumas pessoas têm mais facilidade para se lembrar das coisas?” e se “o deja vu tem a ver com a memória”.

 

Ao fim de sua palestra, Matheus destacou que é triste que o paciente H.M. tenha contribuído tanto para a neurociência e para nosso entendimento sobre a memória, mas foi incapaz de aprender ou de sequer se lembrar disso. Ao longo de toda sua fala, mostrou como a ciência vai sendo construída aos poucos, com descobertas que vão se acumulando e nos dando um cenário mais amplo de algo tão complexo e impressionante. Uma palestra que encerrou o semestre com chave de ouro, digna de ser registrada e lembrada.

texto por Vinicius Anelli