Apesar de sua importância já ter sido reconhecida há algumas décadas, os pesquisadores perceberam apenas recentemente que há muito a ser descoberto sobre micro-organismos, tais como bactérias, fungos e protistas. O desafio, aqui, soa óbvio (ao contrário de sua solução): como estudar tamanha diversidade em seres com dimensões microscópicas?

 Você já se perguntou quantas células possuímos em nosso corpo? No dia 28 de agosto de 2014, os alunos do programa Adote um Cientista divergiram em suas sugestões: Milhões? Bilhões? Trilhões?! O mestrando em genética da UNESP de Jaboticabal, André Ferreira de Camargo, que há cinco anos participava do programa como aluno, foi quem trouxe a resposta a essa pergunta. “Nosso corpo é composto por dezenas de trilhões de células”, esclareceu ele. “Mas cerca de 90% delas são bactérias”.

André volta à Casa após cinco anos para contar aos alunos do programa um pouco mais sobre a linha de pesquisa com a qual trabalha, a Metagenômica. Mas, segundo ele, “não há sentido falar de metagenômica sem antes falar de micro-organismos, uma vez que esse campo de pesquisa foi desenvolvido a partir deles”.

 

Uma diversidade invisível ao olho nu

A vida está presente em todo o nosso planeta. Sua diversidade é gigantesca e, apesar disso, há cada vez mais evidências de que todas as formas de vida existentes na Terra evoluíram a partir de um único ancestral comum. Árvores filogenéticas refletem a tentativa, muitas vezes árdua e bastante inconclusiva, de se organizar todas as formas de vida em grupos, de acordo com suas semelhanças e ancestralidade. Por muitos anos, os cientistas acreditavam que a divisão em dois grandes grupos, Procariotos e Eucariotos, refletia melhor a história evolutiva da vida; porém, hoje se sabe que a diversidade dentro dos procariotos é muito maior do que se imaginava, de tal forma que a vida é organizada, atualmente, em três grandes domínios: Eukaryota (na qual se encontram todos os organismos eucariotos, tal como fungos, protozoários, plantas e animais – inclusive nós, seres humanos) e os domínios Bacteria e Archaea, que contemplam toda a imensa diversidade de organismos procariotos. Micro-organismos são organismos de dimensões microscópicas e, apesar de agrupados por seu tamanho diminuto, podem ser procariotos (Bacteria ou Archaea) ou eucariotos (fungos, protistas, etc.).
Os procariotos possuem diversas características comuns, apesar de tamanha diversidade. São organismos unicelulares, cujas células possuem um núcleo desorganizado e que possuem, além do DNA cromossômico, um DNA circular, chamado de plasmídeo. Apesar de parecerem mais simples quando comparados com eucariotos, esses organismos possuem uma imensa plasticidade metabólica, podendo habitar ambientes extremamente hostis, tais como fossas oceânicas e vulcões ativos – esses organismos que por sobreviverem a condições bastante extremas são denominados extremófilos e compõe grande parte do domínio Archaea.
Essa plasticidade de habitat implica em uma distribuição cosmopolita ao redor do globo, de tal forma que os micro-organismos constituem um aspecto fundamental para a manutenção da vida, participando de diversos processos importantes. Cianobactérias, por exemplo, são responsáveis pela produção de 55% do oxigênio atmosférico. Bactérias fixadoras, por sua vez, são essenciais para a ciclagem do nitrogênio. Essa importância já é conhecida pelo homem há bastante tempo, e o ser humano aprendeu a fazer uso da diversidade encontrada nos micro-organismos em benefício próprio: as enzimas de alguns micro-organismos são usadas na indústria para a produção de produtos de limpeza, tecidos, bebidas, alimentos e até mesmo produtos farmacêuticos. A penicilina, um antibiótico que revolucionou a medicina, é uma substância produzida por um fungo com a função de protegê-lo da ameaça de bactérias.

Aluno: Essas enzimas [utilizadas pela indústria] mudam alguma coisa no produto, o deixam diferente… mudam alguma coisa na composição química dele?

André: Não. (…). Tem um composto, por exemplo, a glicose. A glicose vai ser quebrada, oxidada, até ela virar uma molécula bem mais simples, o acetil-CoA. Para que ocorra isso, são necessárias várias enzimas para a glicose ser quebrada. No entanto, esse processo – a quebra da glicose – resultando em outro composto, ocorreria naturalmente. A enzima não altera nada nessa conversão, ela só acelera o processo (…).

O corpo humano: um lugar de simbiose
O novo milênio trouxe consigo a era da genômica. O avanço de técnicas moleculares permitiu que todo o genoma humano fosse sequenciado e esperava-se que, ao sequenciar nosso genoma, pudéssemos compreender melhor os mecanismos que mantêm a vida. Muito se aprendeu. Outros seres vivos tiveram seus genomas completamente revelados. O que se percebeu, porém, foi que isso não era suficiente.
Se a esmagadora parte das células de nosso corpo é de micro-organismos, e não nossa, então sequenciar apenas nossas células não seria o suficiente para que pudéssemos ter um cenário real do nosso organismo. Micro-organismos são encontrados em nossa pele, cavidades e em nosso sistema digestório. Sua importância é tão grande, que se fala em biota, como se o corpo humano fosse um meio que abriga diversas formas de vida, tal como uma floresta. E, de fato, é. A diversidade de bactérias em nosso intestino é tão grande, que se fala em microbiota intestinal. De fato, essas bactérias auxiliam na digestão, proteção e na produção de vitaminas, tal como a vitamina B12. Nosso intestino age como um ambiente propício para a sobrevivência dessas bactérias, e essas bactérias nos ajudam a sobreviver – ou seja, microbiota intestinal e ser humano estão em simbiose.
Estudar esses micro-organismos, portanto, é estudar a nós mesmos. Sabendo disso, ainda fica a pergunta: como, então, estudá-los?

 

Placa de Petri vs. Microscopia
A microbiologia é o ramo da biologia que estuda os micro-organismos e as técnicas para melhor compreendê-los. O uso de meios de culturas é ainda bastante comum em laboratório e pode ser de grande valia para determinados estudos. Isso é feito adicionado a uma placa de Petri ou tubo de ensaio um meio nutritivo, cuja composição é conhecida pelo pesquisador. Ali é adicionada uma amostra, por exemplo, na qual se espera conter micro-organismos. Se o meio for propício, esses micro-organismos irão proliferar, facilitando seu estudo. Se o meio não fornecer o necessário para a sobrevivência de determinado tipo de micro-organismo, porém, não haverá proliferação.
Em 1985, porém, alguns estudos demonstraram discrepâncias entre a quantidade de micro-organismos identificados em meios de cultura e quantidade de micro-organismos identificados por meio de microscopia cada vez mais aprimorada tecnologicamente. O que se percebeu foi que os meios de cultura não propiciavam a proliferação e a identificação de todos os micro-organismos presentes na amostra. Isso ocorre porque a diversidade metabólica é tão grande que é praticamente impossível produzir em laboratório condições propícias a todos os tipos de organismo daquele local, de tal forma que o cultivo de bactérias permitia observar apenas 1% do total de micro-organismos presentes naquela amostra.
O dogma central da biologia molecular, apesar de revisado e ainda bastante estudado, implica, em linhas gerais, que o DNA é transcrito em RNA, que será traduzido em proteínas. Dessa forma, o DNA seria a unidade principal da vida, sendo a base de todos os processos que ocorrem nos seres vivos.
A partir das técnicas moleculares, percebeu-se que uma sequência comum a todas as bactérias, a sequência 16S do RNA ribossomal, permitia distinguir uma espécie de bactéria de outra.

 

A metagenômica e a diversidade do meio ambiente em um microscópio
Utilizado pela primeira vez em 1998, por Handelsman, o termo refere-se ao estudo do genoma de micro-organismos de uma comunidade sem a necessidade de cultivá-los em laboratório. Esse estudo é feito a partir da extração do DNA total de uma amostra ambiental.
A metagenômica elimina a necessidade de se reproduzir, em laboratório, as condições exatas de um ambiente natural – algo que ainda está longe de ser feito. É extraída, de determinado ambiente, uma amostra que tenha o DNA total presente ali. Esse DNA total é isolado e fragmentado, de tal forma que ele possa ser inserido em uma bactéria (geralmente, a E. coli, uma bactéria bastante estudada e organismo modelo, utilizada em diversos estudos). O fragmento de DNA da amostra é inserido no plasmídeo da E. coli, que age como vetor, e que pode ser replicado em condições experimentais. Essa replicação permite que esse DNA retirado do ambiente seja sequenciado e estudado.
Esses estudos permitem a formação de bibliotecas metagenômicas e possuem altos investimentos de empresas e indústrias, uma vez que pode revelar informações de grande interesse econômico.
Dentre os benefícios do método, André destacou que a metagenômica permite analisar genomas sem a necessidade de cultivar o organismo, estimar diversidade em certo ambiente, inferir metabolismos, inferir relações filogenéticas e facilitar a construção de meios de cultura para células ainda incultiváveis em laboratórios.

Metagenômica: um estudo
André contou que essa técnica permite a inferência de vários aspectos, tais como identificar quais organismos estão presentes em determinada comunidade, quais papeis ecológicos esses micro-organismos estão desempenhando ali e comparar se duas comunidades são iguais ou diferentes.
André explicou o estudo que fez durante sua graduação, no qual ele comparou a composição de micro-organismos de um mesmo ambiente, em estação seca e chuvosa, com o de uma floresta. A área analisada era uma área de cultivo de cana – ou seja, sujeita a efeitos da antropização – e duas amostras foram coletadas: uma durante a estação de chuva e outra durante a estação de estiagem. O que se percebeu foi que a diversidade de micro-organismos era maior durante a estação seca e que a diversidade na área de cultivo era maior do que aquela encontrada na mata. Isso poderia estar associado a diversos fatores, tais como o uso de insumos e técnicas de plantio.

 

Aluno: No gráfico que você mostrou, no parte da chuva tem bactérias que tem mais abundância do que no da seca que tem mais diversidade. A que se deve esse fato?

 

André: Muito boa pergunta. Então eu preciso explicar inicialmente a diferença entre diversidade, riqueza e abundância. A diversidade é um índice: que inclui a riqueza, que indica quais espécies estão ali, e também inclui a abundância – em qual quantidade essas espécies estão ali (…). Se eu tenho 10 espécies diferentes na amostra, eu tenho uma riqueza de 10 espécies. Para cada uma dessas espécies, eu tenho uma abundancia diferente: pra espécie 1, tenho tantos organismos, para a 2 outros tantos, e assim por diante. A diversidade vai considerar uma somatória desses fatores. (…) Assim, eu posso ter um organismo mais abundante na época seca em relação à época de chuva, porém isso não quer dizer que a seca é mais diversa que a chuva.

O pesquisador destacou, também, que assim como a genômica trouxe a necessidade de se estudar melhor os transcritos e as proteínas presentes em um organismo, a metagenômica foi a abertura para que a metatranscriptômica e a metaproteômica viessem para auxiliar nesses estudos. Isso porque compreender esses organismos diminutos é de importância gigantesca para compreender melhor o mundo que nos rodeia – e o mundo dentro de nós.


Espaço dos alunos

A partir da análise das filipetas do encontro, a equipe da Casa da Ciência produziu este infográfico destacando as principais dúvidas manifestadas pelos alunos e os principais conceitos aprendidos no encontro. A finalidade deste instrumento é a avaliação dos momentos de aprendizagem do aluno e valorização da sua dúvida.

  


Texto

Autoria: Vinicius Anelli

Revisão: Profa. Dra. Marisa Ramos Barbieri e Gisele Oliveira

Espaço dos alunos

Análise de filipetas: Luciana Silva

Infográfico: Vinicius Anelli

 

Diagramação

Vinicius Anelli