No Adote um Cientista do dia 10 de setembro de 2015, dois palestrantes dividiram a tarde para falar de áreas distintas da ciência. Igor Lopes, graduando em Biotecnologia pela Universidade Federal da Bahia e Integrante do Laboratório de Terapia Celular do Hemocentro de Ribeirão Preto, trouxe aos alunos do Adote um assunto que vai muito além das células que estuda em seu estágio: a água.

A água constitui 75% do nosso organismo, estando presente em nossas células e tecidos. Saindo da escala microscópica e indo para uma escala macroscópica, sabemos que essa substância constitui dois terços do nosso planeta, sendo imprescindível para a manutenção da vida na Terra.
97,3% da água do nosso planeta é salgada e, portanto, imprópria para o consumo humano. Os menos de 3% restantes são de água doce (que pode ser consumida pelo homem), sendo que dessa pequena parcela, três quartos se encontra congelado em geleiras e apenas 0,35% está na superfície, em rios e lagos.

Além de recurso essencial para a sobrevivência do organismo, a água é utilizada como recurso econômico, para a produção de energia (através de hidroelétricas), uso doméstico, na indústria e também na agricultura e na pecuária. Igor contou que para produzir um quilo de trigo, por exemplo, são necessários de 900 a 2000 litros de água; para a produção de um quilo de carne bovina, essa demanda varia entre 15 e 70 mil litros de água. 
A água é utilizada pela indústria, pela agricultura e pela pecuária, além do uso pessoal doméstico, e vira resíduo que, muitas vezes não é tratado. Esse resíduo contribui para o aumento da poluição, prejudicando os ecossistemas aquáticos, como lagos e rios.
Um efeito conhecido da poluição de ambientes aquáticos é a eutrofização, processo através do qual o aumento da matéria orgânica trazida por despejo e esgoto não tratado leva a uma proliferação de microrganismos que, em excesso, são nocivos ao meio. O pesquisador explicou que esses organismos, embora participem da ciclagem do nitrogênio e do oxigênio, tendo um papel fundamental nos ecossistemas, quando em excesso, se tornam prejudiciais.
Igor explicou que a proliferação desse microrganismos forma uma crosta espessa na superfície de rios e lagos, impedindo a entrada de luz solar, o que diminui a taxa fotossintética e, em consequência, diminui a concentração de oxigênio na água. Além disso, o metabolismo desses seres vivos produz substâncias tóxicas a outros seres, afetando principalmente os peixes. Note que, em condições naturais, esses microrganismos são essenciais para a manutenção do ecossistema. Porém, graças à interferência antrópica, com sua proliferação, esses mesmos microrganismos causam efeitos prejudicais à biodiversidade do ambiente aquático.

O pesquisador explicou que, com o desenvolvimento tecnológico ao longo dos anos, houve um aumento da degradação das reservas naturais – quanto maior o desenvolvimento, mais intensa é a exploração de recursos naturais, como a água.
Isso vai de encontro com a falsa noção de que a água é um recurso renovável. De fato, o ciclo da água ocorre. A água que evapora da superfície sobe à atmosfera e irá precipitar, em forma de chuva, em outras regiões, retornando aos lagos e rios, muitas vezes escoando pelos solos e se depositando em lençóis freáticos e reservas subterrâneas. Entretanto, ele alerta, nem sempre é assim.

“Por que a água não é um recurso renovável?”

Igor explicou que a água é um recurso renovável, mas sua distribuição no globo terrestre é irregular. O regime de chuvas possui uma distribuição heterogênea na superfície terrestre, de tal forma que em algumas regiões chove mais e em outras, chove menos. Nessas regiões mais secas, quando a água da superfície é toda utilizada, ela será mais dificilmente reposta.
Modificações do ciclo estão relacionadas à mudanças ambientais. Um dos exemplos é o caso de alagamentos em grandes centros urbanos. O pesquisador contou que, na década de 70, o índice pluviométrico era maior, embora o número de enchentes fosse menor. Esse dado aparentemente discrepante mostra que não é a quantidade de chuva que causa o alagamento, mas sim outro fator: com o aumento da urbanização há uma impermeabilização dos solos, com o uso de asfalto e de cimentos, o que faz com que a água, que seria absorvida pelo solo, tenha que escorrer pela superfície, gerando grandes alagamentos.

Além disso, há a questão da demanda energética. Grande parte da energia no Brasil é produzida em usinas hidrelétricas. Sua construção é feita em regiões com rios de grande volume e que oferecem grandes planícies alagáveis. 
Para que a usina dê certo, é preciso alagar grandes áreas para o estabelecimento das represas, o que geralmente implica em prejuízos tanto sociais quanto para a biodiversidade: imagine grandes áreas da Floresta Amazônica, uma região de planícies e com rios de grande volume, sendo alagada para a construção de uma usina hidrelétrica – isso não apenas acarretará na destruição de habitat para milhares de organismos, quanto obrigará comunidades ribeirinhas e indígenas a abandonarem suas casas e se deslocarem para outras regiões. A produção de energia hidrelétrica será possível, mas a qual preço?

“Mas a água libera energia?”

O pesquisador respondeu à questão do aluno explicando que, nesse caso, a água é utilizada para a produção de energia cinética: quando a água passa por tubulações, movimentando as turbinas, esse movimento gerado pela passagem da água irá produzir energia cinética que, então, pode ser convertida em energia elétrica. “Não é uma propriedade química da água, mas um uso da água para movimentar as turbinas”, explicou Igor.

“A gente não poderia, então, usar catracas de estações de trem, por exemplo, para produzir energia elétrica?”

Ele explicou que a sugestão do aluno era muito interessante, mas que há toda uma questão política envolvida nisso. Por exemplo, outras formas de se produzir energia elétrica são possíveis, as chamadas energias renováveis e que acarretam em menos prejuízos ao ecossistema. É o caso da energia eólica (produzida com a força dos ventos), que é bastante promissora na região nordeste do país; a energia maré motriz, produzida utilizando a força das ondas e marés, interessante em um país como o nosso, com seu extenso litoral; além da energia solar, gerada a partir da incidência dos raios solares.

“Seria possível atender toda a demanda energética do Brasil apenas com energia solar?”

O pesquisador respondeu a questão dizendo que há muito potencial para isso, mas que o interesse econômico e político dificultam o estabelecimento dessas energias renováveis. De fato, se toda casa pudesse produzir sua própria energia a partir da energia solar, as usinas hidrelétricas deixariam de obter o lucro por seus serviços e o próprio governo deixaria de arrecadar uma quantidade imensa de dinheiro.

Outro tipo de energia é a nuclear, gerada a partir da fissão de átomos de urânio enriquecido, processo que libera uma quantidade elevada de energia que pode ser convertida em energia elétrica. O problema dessa alternativa é a liberação de radiação durante a separação atômica e, quando ocorrem falhas estruturais ou na segurança das usinas, pode trazer consequências catastróficas para a população. Isso porque a radiação pode provocar mutações em nosso material genético, o que pode ser letal para a população próxima das usinas. É o caso de acidentes nucleares famosos, como o de Chernobyl, na Ucrânia, e o de Goiânia, em setembro de 1987.

Todo o contexto ambiental, político e econômico trazido pela fala de Igor foi sintetizado pelo pesquisador em seu encerramento. “Minha ideia era mostrar como é possível, com um único tema, abordar diversos questionamentos”. De fato, o uso de recursos hídricos e a demanda energética são problemas cotidianos, que devem ser analisados do ponto de vista político, econômico, social e, especialmente, ambiental. Afinal, qual a vantagem de se adquirir novas tecnologias e avanços se o preço que a nossa e todas as outras espécies do mundo pagam por isso é altíssimo?


Texto

Autoria: Vinicius Anelli

Revisão: Fernando Trigo

 

Diagramação

Vinicius Anelli