Terapia Gênica: conceitos e desafios 60 anos pós-DNA

A tarde do dia 29 de maio foi marcada pelo descobrimento de inúmeros novos conceitos pelos alunos do Adote um Cientista, que receberam a professora Dra. Aparecida Maria Fontes do Departamento de Genética da FMRP-USP para uma conversa sobre os marcos históricos e os desafios que surgiram no pós-descobrimento do DNA. A pesquisadora destacou os estudos da segunda metade do século XX que comprovaram a capacidade dos retrovírus de induzir a transformação celular e as descobertas das bases genéticas de muitas doenças monogênicas que levaram ao estabelecimento da Terapia Gênica como novo campo de investigação científica.

“A evolução do conhecimento científico, que culminou na proposição do modelo de dupla hélice para a molécula de DNA por Watson, Wilkins e Crick em 1953; os sucessos de Paul Berg no desenvolvimento da primeira molécula de DNA recombinante; a descoberta das enzimas de restrição por Arber, Nathans e Smith; abriram caminho para a medicina translacional. Esses avanços levaram à realização do primeiro ensaio clínico de terapia gênica em duas crianças portadoras da síndrome da imunodeficiência combinada e severa, em 1992, por Claudio Bordignon. Em paralelo, em 1989, a genética associou-se às estratégias de engenharia e permitiu recodificar e redesenhar circuitos genéticos, resultando no surgimento da Biologia Sintética. Vinte e dois anos se passaram e os avanços cumulativos na área de virologia e as novas perspectivas nas ciências genômicas resultaram em mais de 2.000 ensaios clínicos até os dias atuais. Ensaios clínicos in vivo e ex vivo de terapia gênica para doenças monogênicas representam 9% desse total e entre elas iremos destacar estudos em hemofilia A e B e em Doença de Gaucher. Além da abordagem genética molecular clássica, os avanços da genética médica permitiram o tratamento de distúrbios genéticos e hereditários por terapia de reposição”.

Professora Dra. Aparecida Maria Fontes

 

Durante sua fala, a professora Aparecida falou dos principais eventos que colaboraram para o avanço das pesquisas genéticas e discutiu algumas descobertas atuais:
– Em 2013 foram comemorados 60 anos da descoberta da dupla hélice do DNA e 10 anos do início do projeto de sequenciamento do genoma humano – o chamado Projeto Genoma.
– Cientistas divulgaram, em maio de 2014, a descoberta de uma variante do gene Klotho que pode proteger contra a doença de Alzheimer, enfermidade com diagnóstico crescente devido ao aumento de longevidade da população.

Para que os alunos pudessem relacionar e situar alguns acontecimentos, a pesquisadora exibiu uma linha do tempo com marcos históricos, iniciando com o surgimento da vida há 4,5 milhões de anos. A especialista destacou a explosão do Cambriano, quando ocorreu o aparecimento de animais com partes duras, que ampliou a formação de registros fósseis. O estudo destes materiais permitiu (e tem permitido) enriquecer os conhecimentos sobre herança gênica e o surgimento do RNA e do DNA.

Aparecida destacou pesquisadores dos séculos XIX e XX que foram importantes para o desenvolvimento da terapia gênica: Charles Darwin, criador da teoria da evolução; Gregor Mendel, considerado o pai da genética por suas descobertas sobre os mecanismos de hereditariedade; Thomas Hung Morgan, responsável pela teoria do arranjo linear dos genes nos cromossomos; e Steven Benner, que descobriu o 1º gene sintético e atualmente é apontado como pai da biologia sintética.

 

Dogma Central

Os conceitos abordados no início da aula foram direcionados para a compreensão da “quebra” do Dogma Central da Genética, que descreve a produção da proteína a partir do RNA, transcrito a partir do DNA. A pesquisadora contou que os estudiosos acreditavam que só existia essa direção para a passagem da informação genética, mas sabe-se atualmente que a complexidade é maior e inúmeros fatores interferem na transferência da informação gênica.

Relacionando o Dogma Central e a linha do tempo apresentada pela pesquisadora, o biólogo da Casa da Ciência – Fernando Trigo – lançou uma pergunta aos alunos:

Fernando: Em relação àquela linha do tempo que foi mostrada, o que aparecia primeiro, o RNA ou o DNA?… A Aparecida mencionou o HIV que tem o RNA como material genético.
Alunos: O RNA.
Fernando: E depois? Onde que tem a localização do DNA? Um pouco mais a frente, não é? Então, acho legal até pensar um pouco na questão evolutiva. Quem veio primeiro? O DNA ou o RNA? Um é fita dupla o outro é fita simples.

 

O genoma humano – resultados fora do esperado

A pesquisadora salientou as diversas mudanças de conceitos e inovações que foram provocadas por meio do estudo do genoma humano:

-Somente 1,5% do genoma humano codifica proteína.
-70% do genoma humano codifica RNA, sendo a maior parte RNA não-codificador.
-As diferenças, em termos de nucleotídeos, entre o DNA humano e o chimpanzé é de 1,5 % a 2%.
-Acredita-se que a maioria das mudanças genéticas da evolução humana tenha acontecido em genes reguladores, pois o aumento da complexidade ao longo do tempo não se deu pela ampliação da quantidade de genes do organismo, mas sim pela ampliação da região que codifica os RNAs reguladores. Algumas espécies menos complexas podem apresentar muito mais genes que os mamíferos, que possuem entre 20.000 a 23.000 genes – número bem menor do que o esperado pelos cientistas antes das pesquisas do genoma humano,quando eram cogitados cerca de 100.000 genes.
-O genoma humano tem aproximadamente 3 bilhões de pares de bases de DNA. Então, se a similaridade do genoma humano entre pessoas é de 99,9%, significa que apresentam 3 milhões de diferenças no DNA humano entre elas. Já a similaridade de um humano com um camundongo é de 90%.

 

O uso da terapia gênica

A terapia gênica é o tratamento de doenças por meio da transferência de material genético. De maneira geral, consiste na inserção de genes funcionais em células com genes “defeituosos”, causadores de doenças. Um espectro terapêutico mais amplo está sendo alcançado à medida que novos sistemas são desenvolvidos, permitindo a liberação de proteínas terapêuticas:

“Quando a gente manipula uma célula [em laboratório], para induzir a produção de uma proteína recombinante para o tratamento da Doença de Gaucher, por exemplo, utilizamos recursos da terapia gênica. Inserimos um gene “normal” modificado – chamado de recombinante – que sintetizará a proteína recombinante capaz de tratar a doença”.

A especialista falou das diferenças nas sequências dos genes humanos, conhecida como polimorfismo, e como elas podem interferir nas respostas ao uso de medicamentos. A expectativa com a genômica é criar terapias mais eficientes e individualizadas para cada paciente, já que atualmente os tratamentos tradicionais apresentam uma porcentagem alta de ineficiência – 75% nos casos de câncer e 70% na Doença de Alzheimer.

 

Doença de Gaucher

A pesquisadora evidenciou as doenças dos lisossomos, especificamente a Doença de Gaucher, uma enfermidade de causa genética que atinge o metabolismo celular e é estudada em seu laboratório. A doença não apresenta cura, apenas tratamento, que é realizado por meio de proteína recombinante.

 

Aluno: O que é a Doença de Gaucher?

Aparecida: É uma doença genética que o indivíduo tem uma mutação. Ele herda do pai e da mãe dois alelos mutantes para o gene que codifica uma enzima chamada Glucocerebrosidase, presente no interior dos lisossomos e que é importante para digesrir de lipídios. Sem essa enzima, o indivíduo não é capaz de metabolizar lipídios. É uma doença que afeta vários órgãos, como a medula óssea, o baço, o fígado e, em alguns casos, o sistema nervoso central.

A proposta da sua linha de pesquisa, explica Aparecida, é gerar um vetor com o gene que produz a enzima Glucocerebrosidase. Isso deverá ser feito por meio da modificação de células humanas para que elas produzam essa enzima sintética que tem características especificas.

A especialista finalizou o encontro destacando uma vantagem da Biologia sintética em relação a tecnologia do DNA recombinante normal, que é a possibilidade de inserir na proteína de interesse algumas regiões que permitam estudos e resultados mais específicos.

A Era Genômica está permitindo a melhor compreensão sobre câncer e doenças genéticas raras. Com o avanço das pesquisas, no futuro poderemos ter maneiras mais precisas para a prescrição de um medicamento por meio do uso do teste genético e maior conhecimento sobre a biologia da doença, que permitirão a associação da genômica com a terapia gênica.

 


Espaço dos alunos

A partir da análise das filipetas do encontro, a equipe da Casa da Ciência produziu este infográfico destacando as principais dúvidas manifestadas pelos alunos e os principais conceitos aprendidos no encontro. A finalidade deste instrumento é a avaliação dos momentos de aprendizagem do aluno e valorização da sua dúvida.