Todos nós somos acostumados a pagar por serviços que nos são prestados ou fornecidos; pagamos, por exemplo, planos de telefonia para utilizarmos de ligações e mensagens, ou ainda contratamos um jardineiro para realizar a poda do nosso jardim. A gente utiliza esses serviços pois eles podem ser considerados indispensáveis ou ao menos complementares por melhorar nossas vidas. Os exemplos de serviços pagos são muitos para serem citados e não são o objetivo desse texto; então indo de encontro a esse: você já parou para pensar que talvez tenha usufruído durante toda sua vida de serviços extremamente valiosos, os quais a grande maioria das pessoas não conseguiria pagar? E que esses serviços são prestados gratuitamente pelo próprio meio ambiente? Aliás, se você tivesse que atribuir uma mensalidade proporcional à importância da natureza no seu dia a dia… quanto seria justo cobrar?

                                              

Quanto vale a natureza ($)

Desde 1997, grupos de cientistas tentam responder essa pergunta realizando um cálculo hipotético para dar valor à natureza (Figura 1). Esse número chegou a 125 trilhões de dólares por ano! A título de comparação, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, ou seja, toda a riqueza produzida pelo Brasil em 2015 foi de 1,77 trilhão de dólares. Mesmo os Estados Unidos da América (país mais rico do mundo) produziu “apenas” 17,95 trilhões de dólares no mesmo ano, isto é quase sete vezes menos o “valor” do meio ambiente. Se fôssemos dividir esse valor por toda a população do planeta, cada um de nós teria que pagar anualmente 17,3 mil dólares (ou aproximadamente 5 mil reais por mês!) para poder usufruir de tudo aquilo que a natureza nos oferece.

Figura 1: Ilustração fazendo analogia ao valor da natureza (retirado de https://family.wikinut.com/).

Entretanto, esses cálculos são estimativas feitas para dar valor financeiro à algo que é inestimável, o meio ambiente. A natureza na realidade apresenta outros tipos de valores, como o valor intrínseco (independente dos seres humanos e suas moedas), o valor instrumental, pois nós dependemos e fazemos uso dela e gostamos de estar e observar a natureza, e o valor relacional, isto é, as relações afetivas existentes entre ser humano e natureza, como, por exemplo, a identidade individual com um lugar e seres vivos dele, uma região importante para determinado povo (identidade cultural), e responsabilidade social e moral que sentimos em garantir ecossistemas para os seres humanos e não humanos no presente e futuro.

Dessa forma, podemos notar que um valor numérico relacionado a um sistema financeiro criado por nós nunca irá contemplar toda a diversidade de formas que o ser humano se beneficia da natureza, isso sem contar todas as outras formas de vida. Ou seja, atribuir valores econômicos a serviços ecossistêmicos que sustentam nossa vida, é algo inviável. Mas, afinal, o que são e quais são esses serviços todos prestados de graça para a gente pela natureza?

 

Serviços ecossistêmicos

Os serviços ecossistêmicos podem ser definidos como as condições e processos pelos quais os ecossistemas naturais sustentam e complementam a vida humana, ou ainda como os produtos dos ecossistemas dos quais as pessoas se beneficiam. Ou seja, são bens oriundos de processos e componentes dos ecossistemas que de alguma forma nos beneficiam (note que é uma visão antrópica). Existe uma grande variedade de benefícios que a natureza fornece para os seres humanos que vai desde bens físicos e serviços de provisão (como moradia, alimentos), a serviços reguladores (processos que regulam clima e chuvas) e serviços culturais (como crenças, apelos emocionais e espirituais próprios do ser humano). Alguns exemplos que podem ser apontados são: a polinização que os insetos fazem tanto em plantações (propiciando alimentos) quanto da vegetação natural (permitindo a manutenção das áreas naturais); a redução da mudança climática realizado por meio das trocas gasosas e ciclos biogeoquímicos (ciclo da água, do gás carbônico, do nitrogênio, etc.); a formação do solo que sustenta plantações e ecossistemas naturais; o suprimento de água que como você bem sabe é indispensável a todas formas de vida que conhecemos; liberação de oxigênio, gás que respiramos, pela fotossíntese das plantas; purificação do ar e água; dispersão de sementes; entre MUITOS outros.

Uau! Então quer dizer que devido a essa vasta gama de serviços indispensáveis e em sua maioria insubstituíveis a gente tem dado atenção e preservado todos eles? Apesar de seu valor imensurável, os seres humanos têm impactado os serviços ecossistêmicos diretamente, levando à perda desses benefícios em escala global. A destruição e fragmentação dos ecossistemas (oriundas de vários fatores como expansão da agropecuária e das cidades, mudanças climáticas, poluição, consumismo, etc.) fez com que 60% dos serviços ecossistêmicos estejam sob desgaste de maneira não sustentável!

Um exemplo emblemático é o do mar de Aral, que apesar do nome é um lago de água salgada localizado na Ásia Central (entre o Cazaquistão e Uzbequistão) (Figura 2). O mar de Aral passou por um processo de degradação extensiva nas últimas décadas devido ao uso não sustentável de sua água para irrigação das plantações nessa região seca. Um total de 92% do volume original foi perdido em cerca de 50 anos (Figura 2), e por isso, pessoas já tem migrado de lá uma vez que não podem mais utilizar esse serviço. Além do prejuízo para os seres humanos, pare e pense em todas outras formas de vida que dependiam desse lago para sobreviver, qual foi destino delas?

Figura 2: Recorte do mapa-múndi indicando a região da Ásia central, onde se localiza o mar de Aral. No detalhe é possível observar a redução do volume de água disponível entre 1974 e 2009 (imagens modificadas de httpradiowebmatrix.blogspot.com.br e httpwww.clebinho.pro.br).

Também não é preciso ir para o outro lado do mundo para pensar em serviços ecossistêmicos que estamos perdendo. Será que a construção de uma hidrelétrica no Rio Xingu no município de Belo Monte (PA) pode levar a esse tipo de prejuízo? A transposição de água do Rio São Francisco para irrigar plantações no interior da região nordeste, te lembra alguma coisa? Pois é… imagine então os efeitos que nem sequer conhecemos ainda da perda de mais de 90% da cobertura original de Cerrado no Estado de São Paulo, ou o que significa Ribeirão Preto ter reduzido 70% de sua vegetação natural em apenas 38 anos.

 

O buraco é mais embaixo

As causas imediatas e de preocupação antrópica, sejam sociais, culturais ou econômicas, por si só já expõem a importância da manutenção dos serviços ecossistêmicos. Mas seriam essas as únicas? A resposta é um grande NÃO. Pois é fundamental pensar a longo prazo, longo mesmo, digo em milhares e milhões de anos, em escala de tempo evolutivo. Isto porque o homem, ao alterar o ambiente, está alterando também os caminhos evolutivos de todas espécies ali presentes, de maneira desconhecida e muitas vezes indesejável, como, por exemplo, quando extingue as complexas interações ecológicas ou o “equilíbrio” das redes alimentares.

Ou seja, uma vez que os serviços ecossistêmicos são, em última estância, produtos evolutivos, que levaram milhares de anos para existir, temos que ter muita cautela em interferir de maneira acelerada neles, isto é, alterá-los em apenas algumas décadas, uma vez que assim eles não conseguem se ajustar e se manter a longo prazo (ou, como no caso do mar do Aral, em curtíssimo prazo). É importante que a gente não garanta apenas a manutenção da diversidade biológica e suas funções ecológicas, mas também que a gente, apesar de humanos, prejudique o mínimo possível a evolução (Figura 3).

Figura 3: Algumas atitudes possíveis para o ser humano frente à conservação dos ecossistemas, suas consequências e grau de impacto evolutivo (imagem modificada de Sarrazin & Lecomte 2016).

Portanto, como vimos, a natureza custa caro, e se uma compreensão profunda de todo o valor ambiental, social e cultural que os ecossistemas têm não nos sensibiliza, que ao menos um pensamento utilitarista e econômico assegure o nosso interesse em conservá-la. Quem sabe assim encontremos um porquê conservar a natureza.

 

Para saber mais

Chana, K.M.A. et al. 2016. Why protect nature? Rethinking values and the environment. PNAS, 113(67).

Costanza, R. et al. 2014. Changes in the global value of ecosystem services. Global Environmental Change, 26.

Gunton, R.M. et al. 2017. Beyond Ecosystem Services: Valuing the Invaluable. Trends in Ecology & Evolution, 32(4).

Maron, M. et al. 2017. Towards a Threat Assessment Framework for Ecosystem Services. Trends in Ecology & Evolution, 32(4).

Sarrazin, F. & Lecomte, J. 2016. Evolution in the Anthropocene. Science, 351(6276).

Texto: Caio M.C.A. de Oliveira

Revisão: Vinicius Anelli e Marisa Barbieri