O doutorando em Oncologia Clínica, Terapia Celular e Células-Tronco pelo Hemocentro de Ribeirão Preto, Ms. Helder Teixeira de Freitas, trouxe aos alunos do Adote um Cientista um pouco sobre o projeto de pesquisa que conduz durante seu doutorado.

No encontro do dia 10 de setembro de 2015, Helder destacou que o pesquisador sempre deve divulgar seu trabalho à população, o que significa que ele deve ser capaz de traduzir seu estudo (intitulado “Estudo dos mecanismos de geração de células T regulatórias a partir de células T naive: papel da sinalização da adenosina”) em palavras que possam ser bem compreendidas por todos.

Para isso, o pesquisador iniciou sua fala com um panorama geral: diferentes células compõem diferentes tecidos do corpo humano. Como o foco do estudo de Helder é o sangue, ele relembrou os alunos que existem vários tipos celulares sanguíneos, como neutrófilos, eosinófilos, monócitos, basófilos, hemácias e plaquetas. Aproximando-se ainda mais de seu objeto de estudo, ele chamou a atenção dos alunos para os linfócitos.
Linfócitos, assim como os neutrófilos, eosinófilos, monócitos e basófilos formam um grupo celular específico, os leucócitos (ou glóbulos brancos). Os leucócitos são fundamentais para a imunidade do organismo, e cada tipo celular exerce uma função específica no combate a patógenos, infecções e anormalidades encontradas em nosso corpo.
A formação, desenvolvimento e maturação das células sanguíneas começa na medula óssea, com as células-tronco hematopoiéticas, que dão origem às células do sangue (leucócitos, hemácias e plaquetas). Duas linhagens têm origem na hematopoiese, a linhagem mielóide e a linhagem linfóide. A linhagem mieloide é precursora da maioria dos leucócitos, das hemácias e das plaquetas. Já a linhagem linfóide é responsável pela formação dos linfócitos e das células dendríticas linfoides.

Helder explicou que existem diferentes tipos de linfócitos. “Por quê?”, perguntou aos alunos. “Cada célula possui uma tarefa específica”, respondeu um deles. O pesquisador complementou a fala do aluno mostrando a função de cada um dos tipos.
O linfócito NK (natural-killer; “matador natural”, em tradução livre) é capaz de matar uma célula hospedeira ou infectada; já os linfócitos B são responsáveis pela produção dos anticorpos, que irão isolar o antígeno (patógeno ou corpo estranho) para que ele possa ser eliminado pelos monócitos; os linfócitos T, que atingem sua maturidade em uma glândula localizada na região do coração, o timo, formam um complexo mecanismo de combate à infecção, existindo diferentes tipos de células T em nosso corpo, dentre eles as células T citotóxicas e as células T reguladoras, o tipo celular de interesse para o estudo de Helder.

Dada a importância dos linfócitos para a imunidade do organismo, podemos dizer que quanto mais linfócitos no sangue, melhor? Não!”. O pesquisador explicou que elevada quantidade dessas células mantém o processo inflamatório, que é uma resposta natural do organismo a uma infecção ou a um ferimento. A inflamação é caracterizada por aumento da temperatura local, vermelhidão, inchaço, dor e perda da função daquele tecido específico. Perdurando, pode trazer complicações ao organismo como um todo. 
Além disso, os linfócitos estão envolvidos no processo de reconhecimento de antígenos e de células infectadas; anomalias nesse mecanismo são possíveis, e isso pode levar os linfócitos a reconhecer células saudáveis do próprio organismo como estranhas, atacando-as e, eventualmente, matando-as. A essa condição, dá-se o nome de doença autoimune, como ocorre em pessoas com lúpus ou artrite. À capacidade de não reconhecer células próprias do organismo e reconhecer apenas corpos estranhos, atacando-as, dá-se o nome de processo de tolerância, e defeitos nesse processo acarretam em quadros autoimunes.

“Como o linfócito sabe se uma célula é invasora ou não?”

Helder explicou ao aluno que os linfócitos responsáveis pelo reconhecimento possuem receptores na superfície de sua membrana celular. Quando essas células encontram outras células ou mesmo antígenos capazes de se ligar aos receptores da membranas, o linfócito reconhece esse ligante como um corpo estranho, desencadeando o ataque ao invasor. Em pessoas com doenças autoimunes, esses receptores reconhecem ligantes de células próprias e saudáveis como estranhas, atacando-as.

“O que acontece quando um linfócito T não consegue reconhecer uma bactéria, por exemplo?”

O pesquisador explicou que esse célula não será capaz de desencadear a resposta imune e que o organismo não vai combater essa bactéria. Ele contou, também, que quando os linfócitos T estão sendo produzidos, o organismo garante uma diversidade de receptores nas membranas celulares, de forma que uma mesma célula seja capaz de reconhecer diversos antígenos e patógenos.

Facilitando que esse tipo de situação seja evitada, o sistema imunológico regula os mecanismos de imunidade, com o linfócito T regulatório exercendo um papel fundamental na regulação. Esse tipo celular, além de regular a resposta imune, mantém a tolerância a elementos do próprio organismo. 
Atua, principalmente, através da inibição: inibindo a ativação, proliferação e formação de citocinas de outros linfócitos T; inibindo a proliferação e também a produção de anticorpos pelos linfócitos B, inibe a função citotóxica das células NK; além de inibir a função e a maturação das células apresentadoras de antígenos (células dendríticas). Além disso, o linfócito T regulador libera citocinas anti-inflamatórias, diminuindo a inflamação.
Neste sentido, Helder explicou que as células T regulatórias são como anti-inflamatórios naturais, secretando citocinas inibitórias, induzindo a lise de células inflamatórias e das células apresentadoras de antígenos, além de induzir a disrupção metabólica, uma vez que consomem os nutrientes necessários para que outras células T sobrevivam e exerçam sua função.

Pensado no balanceamento de sistema imunológico, um número elevado de células T regulatórias no organismo pode trazer crescimento tumoral e infecção crônica (uma vez que diminui o combate a patógenos e a células danosas); por outro lado, um número baixo de T regulatórias pode acarretar em doenças autoimunes, alergias, e também em rejeição a transplantes.

Agora que vocês conhecem um pouco mais sobre as células T regulatórias, eu posso explicar melhor o que eu faço em minha pesquisa”.
Helder explicou, então, que isola células T naive (que não tiveram contato com antígeno ainda) do sangue de cordão umbilical. Em laboratório, induz a transformação desses linfócitos “virgens” em células T regulatórias. “Mas qual a vantagem de se gerar T regulatórias em laboratório?”, ele perguntou.
Porque o nosso próprio organismo não consegue combater algumas doenças e poderíamos desenvolver imunidade”, sugeriu um dos alunos. Helder explicou que essa é uma perspectiva interessante, mas contou que sua pesquisa tem uma aplicação direta em pacientes com medula óssea doente, devido a uma leucemia ou anemia falciforme. Atualmente, o tratamento mais comum para esses casos é matar a medula óssea do paciente e transplantar um nova, cujas células-tronco irão repovoar o sangue da pessoa com células mais saudáveis. É comum, porém, que nesses procedimentos, o próprio organismo pode vir a rejeitar o próprio transplante, sendo necessária a inibição dessa reação imune, o que é feito com diversos medicamentos que causam reações adversas ao paciente.
A ideia, segundo Helder, é produzir um medicamento que seja capaz de induzir a produção natural de reação anti-inflamatória, o que está relacionado à própria função das T regulatórias. “É interessante produzir essas células em laboratório para poder estudar melhor os mecanismos envolvidos nesse processo”, concluiu ele.
Helder trabalha com um receptor específico da célula T, o da adenosina, ministrando drogas que ativam ou inibem esse receptor e observando os efeitos que essa inibição/ativação traz para a função celular, compreendendo melhor a atuação dessa célula no nosso organismo.

Existe alguma forma de introduzir o linfócito T regulador no nosso corpo?

“Sim, e isso já está, inclusive, sendo testado em humanos”, respondeu Helder. Segundo o pesquisador, em condições mais urgentes – como, por exemplo, durante uma reação autoimune intensa, os pacientes têm recebido as células T regulatórias geradas em laboratório para que elas possam gerar resposta imediata. Porém, esses testes ainda estão em fase inicial, não sabendo-se nem se esse tratamento pode ser letal aos pacientes.

Helder, ao fim de sua palestra, explicou que sua intenção era falar um pouco sobre os linfócitos T regulatórios e sobre o que ele faz em laboratório com essas células, mostrando inclusive perspectivas terapêuticas da manipulação desse tipo celular para o desenvolvimento de fármacos. Além de divulgar sua pesquisa, a fala dele incitou diversas perguntas nos alunos e mostrou uma parte do processo de desenvolvimento de drogas e de terapias no tratamento de doenças como leucemia, lúpus e anemia falciforme.


Texto

Autoria: Vinicius Anelli

Revisão: Profa. Dra. Marisa Barbieri

Diagramação

Vinicius Anelli