Desenvolvimento de novos medicamentos a partir de plantas medicinais

No encontro do dia 10 de março do programa Adote um Cientista, os alunos foram presenteados com duas palestras ministradas por docentes da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP – USP), proporcionando duas visões distintas, porém complementares, de estudos nas Ciências da Saúde.
A primeira palestra foi ministrada pelo Prof. Dr. Fábio Carmona, do Departamento de Puericultura e Pediatria da FMRP. O docente trouxe aos alunos do Adote mais detalhes sobre como são desenvolvidos fármacos a partir dos princípios ativos de diferentes plantas, para o combate e tratamento de diferentes doenças.

Fábio iniciou sua fala com uma provocação, valorizando as plantas como seres vivos, dotados, portanto, de intensa e complexa atividade biológica. É interessante destacar, aqui, que uma planta produz e é composta por diferentes substâncias que podem ou não ser extraídas e utilizadas em benefício do ser humano.
Em um breve histórico, o palestrante mostrou que as plantas têm sido utilizadas desde o Paleolítico (registros datam de 60.000 antes de Cristo) para o tratamento de diferentes condições clínicas. O conhecimento popular, nesse caso, possui um papel imprescindível para que drogas começassem a ser sintetizadas para o tratamento clínico dessas doenças.
O primeiro fármaco foi produzido em 1897, por Bayer, utilizando como princípio ativo a salicina, extraída do salgueiro (Salix alba L.). O uso do chá da casca do salgueiro já era amplamente difundido em comunidades indígenas americanas e impulsionou pesquisas no sentido de extrair a substância responsável por seus efeitos no combate à febre, possibilitando a sintetização do medicamento.

Fábio trouxe diversos exemplos de medicamentos que foram ou estão em desenvolvimento a partir de substâncias extraídas em plantas, valorizando sempre a cultura e o conhecimento popular como propulsor das inovações científicas.
12440734_595214047314615_7825413908172075718_oA erva-cidreira de arbusto (Lippia alba), por exemplo, vem sendo amplamente utilizada pela população para tratamento de dores de cabeça, insônia e ansiedade, na forma de chá. Isso fez com que pesquisadores se perguntassem se a planta poderia ser usada para a elaboração de um medicamento que ajude a combater a enxaqueca, uma condição que afeta muitas pessoas no mundo, principalmente as mulheres.
Neste caso, Fábio explicou que a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já aprova o uso do chá de erva-cidreira de arbusto para fins terapêuticos (uma vez que a composição e os efeitos do chá no organismo já estão bem documentados e esclarecidos), dizendo, porém, que o desenvolvimento de um medicamento depende dos resultados encontrados em testes clínicos.
Ele contou, por exemplo, que estudos clínicos mostraram que a tintura de Lippia alba foi capaz de reduzir a frequência e a intensidade das crises de enxaqueca, comprovando sua eficácia no tratamento dessa doença.

 

Aluno: Mais ou menos quantas semanas, quantos meses vocês estudam isso para testar em pessoas depois?

 

Fábio explicou que é um processo demorado, que leva alguns anos, e que envolve testes e ensaios em laboratório, testes clínicos e a aprovação da ANVISA. Uma substância que comece a ser testada agora, por exemplo, assumindo que sua eficácia será comprovada em todas as fases de testes, poderá vir a ser comercializada como medicamento apenas daqui dez anos!

 

Aluno: Um remédio feito a partir de uma planta popular pode ser patenteado?

Fábio: Ótima pergunta. Não, uma planta não pode ser patenteada. Você só pode patentear algo que você faz, ou seja, você pode patentear um método que é capaz de transformar aquela planta em um subproduto – em geral, um extrato padronizado. Um extrato, no caso, de substâncias que são extraídas da planta a partir de um solvente (água, álcool, metanol, acetato de etila, e assim por diante). Enfim, o que pode ser patenteado é como fazer um remédio a partir de determinada planta.

 

O professor deu mais detalhes sobre estudos envolvendo outras plantas e doenças, como diabetes mellitus e ansiedade. Ele destacou, por exemplo, que mesmo que os resultados dos testes se mostrem promissores, isso não justifica o uso daquele planta, mesmo em forma de chá, para fins terapêuticos – são necessários estudos ainda mais a fundo.
Um aluno perguntou, em determinado momento, se a ansiedade é responsável por desencadear o stress. Isso trouxe à discussão a noção de causalidade reversa, ou seja, à dificuldade em se estabelecer, em alguns momentos, na ciência, o que é causa e o que é efeito. Desta discussão participou também o Prof. Dr. Marco Antônio Barbieri, que estava presente entre os convidados.
Fábio explicou também o uso de placebos em ensaios clínicos, e um dos alunos participantes afirmou que o “efeito placebo é como se fosse um efeito psicológico”.

12898354_595214027314617_4562683196769210570_oO pesquisador também mostrou dados de um estudo recente que demonstrou o potencial terapêutico do extrato da casca do coco (Cocos nucifera) no tratamento da herpes viral. Embora os resultados tenham sido promissores, ele explicou que o próximo passo será investigar se esse efeito ocorre em testes com animais para, só depois, testá-lo em humanos. Um aluno questionou quais tipos animais são utilizados para isso, e Fábio contou que os estudos se iniciam com camundongos, mas passam por vários outros animais até chegar no homem.

 

Aluna: O custo é muito alto?

 

Fábio explicou que existe um custo, mas a matéria-prima é barata e de fácil acesso, e isso barateia o estudo como um todo. Há, porém, gastos com materiais, estrutura, reagentes, etc., um custo que é mantido por agências de fomento e pelo investimento da universidade. Um estudo recente do qual ele participou, por exemplo, custou, no total, cerca de trinta mil reais.

O Prof. Dr. Fábio Carmona encerrou sua fala citando o surgimento das farmácias vivas no país, algo que pode beneficiar pessoas de comunidades pobres ou isoladas. Durante toda sua apresentação, ele mostrou tanto o valor dos estudos científicos, com uma metodologia rigorosa (afinal, estamos falando da saúde das pessoas) e regulamentada, quanto do conhecimento popular servindo como um combustão para o surgimento de inovações farmacológicas. Além disso, a coordenadora da Casa, Profa. Dra. Marisa Barbieri, destacou, ao fim da sessão de perguntas, a imensa biodiversidade do nosso país e o leque de possibilidades que começa a ser explorada. Um campo promissor do conhecimento científico, cujos avançam afetam diretamente nossa saúde e que pega emprestado alguns conhecimentos que foram passados através das gerações, mesmo que fora dos centros de pesquisa e universidades.

 

texto por Vinicius Anelli

revisão por Marisa Barbieri