Fronteiras em neurociências: é possível “hackear” o cérebro?

Cleiton Lopes Aguiar, pós-doutor em Neurociência, é um grande parceiro da Casa da Ciência desde 2008, quando se interessou pela proposta do projeto e se sentiu desafiado ao participar, tendo que aprender a “traduzir” o conhecimento da pesquisa em ensino.
Foi com grande alegria que a equipe e os alunos da Casa receberam Cleiton no dia 17 de março de 2016 para uma palestra especial em comemoração à Semana Nacional do Cérebro.
“[sobre o programa Adote um Cientista] qual cientista é adotado: eu ou vocês?”, ele perguntou no início de sua fala. “Nós!”, responderam os alunos, sem hesitar. “Não, somos nós!”, afirmou o pesquisador. “Os maiores beneficiados desse programa são os pesquisadores, que vêm falar com vocês (…). A maneira ingênua e curiosa com que vocês olham para certas coisas, o espanto (…) – é o brilho nos olhos, o brilho nos olhos por aquilo que todo mundo acha que é comum”, explicou Cleiton.

 

E ele articulou seu depoimento sobre o programa com o tema central de sua palestra. “Vejam, eu vou falar aqui sobre o cérebro. Mas é o meu cérebro que está produzindo um raciocínio, que em última análise produz sons – cuja sequência altera o ar, chega ao ouvido de vocês e será entendido pelo cérebro de vocês de uma maneira que faz sentido!”.
Cleiton deu uma visão geral sobre o sistema nervoso central e mostrou um vídeo contando a história de Phineas Gage, um caso famoso na literatura médica de um trabalhador que teve seu cérebro atravessado por uma barra de metal e que sobreviveu ao acidente – não incólume, pois perdeu grande parte do lobo frontal. O caso é famoso, pois após o acidente Phineas mostrou uma completa mudança em seu comportamento, se tornando agressivo, com uma linguagem desrespeitosa e totalmente diferente de quem ele era antes. “Ou seja, Phineas Gage não era mais Phineas Gage.

 

ALUNO: O lobo frontal controla nosso estilo, quem a gente é, e a nossa personalidade?

 

hackear2Cleiton explicou que o lobo frontal é essencial para o comportamento, mas que o comportamento não se limita a essa região. Para ilustrar essa integração entre as diferentes áreas do cérebro, comparou o encéfalo com várias cidades vistas de um avião, durante a noite, se comunicando por vias e por outras conexões.
E, assim como nessa rede de cidades, se inserirmos um boato ou uma informação em uma cidade, é fácil que essa informação seja levada para as outras, já que todas estão interligadas. Seria possível, da mesma forma, inserir uma informação no cérebro, de forma a garantir que ela venha a ser transmitida? Cleiton foi ainda além: ser transmitida para neurônios e regiões específicas.
Cleiton mostrou, então, o vídeo de um experimento no qual os cientistas “ligavam” e “desligavam” a fome de um camundongo através de um laser.

 

ALUNO: Esse método funcionaria em seres humanos?

 

O pesquisador disse que sim, e ainda contou que experimentos com camundongos são importantes, uma vez que o cérebro do camundongo não é tão diferente do de outros mamíferos, como o ser humano. Trouxe também aos alunos um pouco sobre as implicações éticas de experimentos como este.
Também explicou que essas experimentações não são apenas por divertimento ou por vaidade, mas sim importantes maneiras de se compreender melhor o cérebro e aprender a tratar doenças como transtornos alimentares, por exemplo. “O cérebro é, de longe, o órgão mais complexo de que se tem conhecimento – ou seja, nós, neurocientistas, teremos emprego para sempre, para estudá-lo”, ele brincou.

 

hackear1Para explicar, porém, quais os fundamentos por trás dessa técnica inovadora, a optogenética, o neurocientista trabalhou alguns conceitos básicos com os alunos, como as propriedades do neurônio, a transmissão do impulso elétrico e a sinapse.
Cleiton mostrou mais um vídeo, que trazia um modelo da propagação do potencial de ação através do neurônio. Além de explicar com mais detalhes o processo, discutiu o uso de modelos, apontando estratégias utilizadas para facilitar a compreensão de certos conceitos mas que não retratam a verdade, de fato. Um dos alunos questionou, inclusive, em um dos esquemas, como um neurotransmissor que é liberado na fenda sináptica não “escapa”, o que levou o pesquisador a discutir a questão do modelo ser uma representação limitada da realidade.

Em sua fala, Cleiton discutiu sobre a estrutura do neurônio, a transmissão de informação, o potencial de ação e a fenda sináptica. Trabalhou com os alunos as limitações dos modelos, a questão de escalas, além da ética na ciência e a aplicação de estudos de base.
Limitado pelo tempo, que foi muito curto em comparação com a quantidade de assuntos interessantes que cabem ao tema, Cleiton deixou os alunos curiosos e interessados pelo cérebro e seu estudo – uma das grandes metas da Semana Nacional do Cérebro.
Mais uma palestra brilhante de um dos maiores parceiros da Casa – e que essa parceria se perpetue por muitos anos a frente!

 

escrito por Vinicius Anelli

revisado por Marisa Barbieri