A base genética do câncer e os avanços nas pesquisas

O câncer é a segunda maior causa de morte no mundo e, apesar de ser amplamente discutido na mídia, torna-se um assunto complexo quando são considerados os mecanismos celulares e moleculares associados às variáveis genéticas e ambientais envolvidas na manifestação da doença. No dia 27 de fevereiro, o Adote um Cientista recebeu o doutor em genética pela USP, Daniel Antunes Moreno para falar sobre o tema. O pesquisador, que em 2013 também participou do programa e orientou um grupo do Pequeno Cientista, conduziu a conversa dedicando muita atenção às dúvidas manifestadas pelos alunos.

Inicialmente, Daniel explicou a origem da palavra câncer, que vem do grego Karkinos – cujo significado é caranguejo – e foi utilizado pela primeira vez por Hipócrates, o pai da Medicina. O termo não se refere a uma única doença, mas sim a um conjunto de enfermidades que abrange mais de cem tipos diferentes. Além disso, o câncer não é uma doença recente, pesquisas detectaram em múmias egípcias, com mais de três mil anos a.C, tumores ósseos que revelam que a enfermidade é milenar e acompanha a humanidade.

Após um rápido histórico sobre a doença, o pesquisador falou aos jovens sobre o processo de desenvolvimento do câncer, explicando que, na célula eucarionte, quando se inicia processo de mitose (divisão celular), o DNA contido em seu interior serve de molde para a transcrição do RNA mensageiro (RNAm) – responsável por transportar a “mensagem” até os ribossomos, traduzindo-a em proteína. Este ciclo acontece nas células do nosso corpo todos os dias e milhares de vezes. Entretanto, a transcrição pode não ser perfeita e o RNAm pode conter uma “cópia errada” das bases nitrogenadas do DNA, provocando uma mutação. Esta alteração pode acontecer em diferentes regiões do material genético, mas torna-se potencialmente perigosa quando atinge alguns grupos específicos de genes: os oncogenes – responsáveis por estimular a formação de células -, que passam a ter uma mutação ativadora; nos genes supressores de tumor, que perdem sua capacidade regulatória; ou nos genes de reparo, que perdem sua função de reconhecimento e reparo dos nucleotídeos pareados incorretamente. Alterar a expressão de um destes tipos de genes pode possibilitar a formação de um câncer.

Se a mutação não é corrigida pelos sistemas de reparo, acontece a formação de células neoplásicas (tumor maligno), que têm a capacidade de manter a proliferação nos tecidos e desconsideram os sinais de parada que normalmente controlam a propagação. Além disso, a morte celular programada – chamada de apoptose – não afeta estas células, garantindo certa “imortalidade” a ela. Por estar em intensa atividade proliferativa, este conjunto celular necessita de um grande abastecimento de oxigênio e nutrientes, que é obtido a partir do desenvolvimento de vasos sanguíneos, também conhecido por angiogênese.

Daniel ressaltou que nem toda mutação é maléfica ou pode causar câncer e que fatores externos e internos propiciam à célula condições para ela se desenvolver – como o excesso de radiação solar, a exposição a produtos químicos ou radioativos e o tabagismo.

Ao longo do encontro, os jovens manifestaram algumas dúvidas ligadas ao tratamento da doença:

“Por que quando uma pessoa ‘pega’ câncer ela fica careca?”.

“Qual a diferença entre quimioterapia e radioterapia?”.

O pesquisador explicou que tratamento do câncer é feito de acordo com o tipo da doença. Na quimioterapia são usados quimioterápicos que são injetados no paciente e acabam atingindo tanto as células cancerígenas quanto nas células saudáveis. Como exemplo, Daniel citou o comprometimento das células do bulbo capilar que provoca a queda de cabelo do paciente. Já a radioterapia é realizada com a emissão de radiação a fim de destruir e impedir o crescimento do tumor.

Para complementar a discussão, o biólogo Fernando Rossi Trigo, integrante da Casa da Ciência, lançou uma pergunta aos alunos: “Qual a condição mínima para que determinado organismo possa ou não ter câncer?“. O debate iniciado com a questão interligou diversos conceitos, como os diversos tipos de células que existem e as diferenças entre procariontes – que apresentam um núcleo não organizado – e eucariontes – que possuem núcleo organizado. Os jovens também relembraram conceitos sobre as células unicelulares (única célula), pluricelulares (muitas células) e a divisão dos Reinos dos Seres Vivos (Monera, Protista, Fungi, Plantae e Animalia). Reunindo todas as informações abordadas com os alunos, foram relacionados, de acordo com o tipo celular, quais organismos podem desenvolver câncer.

 

Epigenética do câncer

“As mutações genéticas são os únicos fatores que podem provocar alteração na expressão gênica?”

“Nossas células apresentam o mesmo DNA. Porque são diferentes?”

Daniel esclareceu que as células tem o mesmo DNA, mas apresentam uma mudança no padrão da expressão gênica, ou seja, cada célula expressa um gene e é isso que define suas características e funções. Quem controla esse padrão de expressão são os modificadores químicos no DNA ou na cromatina – fragmento de DNA descondensado -, que podem causar alteração na expressão gênica sem que ocorra mudança na sequência do DNA. Essa modificação através de agentes químicos, como a Metilação (CH3), inibe a transcrição gênica.

O pesquisador finalizou o encontro falando sobre como o Projeto Genoma – iniciado em 1999 e concluído 2003 – promoveu o mapeamento de genes humano e fez com que fossem iniciados novos estudos como:

Projeto Transcriptoma: têm como objetivo identificar todos os RNAs transcritos.

Projeto Proteoma: Conhecer a função e estrutura de todas as proteínas do organismo humano.

Projeto Fisioma: Descrição quantitativa das funções do organismo.

Epigenoma Humano: Compreensão e mapeamento dos sítios de metilação e de modificações nas histonas.

Pesquisas como essas são fundamentais para entender como cada tipo de câncer se comporta e como se desenvolve, porém, ainda há um longo caminho até que seja possível entender todos os mecanismos que envolvem cada um.

 



Espaço dos alunos

A partir da análise das filipetas do encontro, a equipe da Casa da Ciência produziu este infográfico destacando as principais dúvidas manifestadas pelos alunos e os principais conceitos aprendidos no encontro. A finalidade deste instrumento é a avaliação dos momentos de aprendizagem do aluno e valorização da sua dúvida.