Os encontros do programa Adote um Cientista de 2015 se encerraram no dia 12 de novembro, com a palestra ministrada pelo parceiro de longa data da Casa, Ms. Matheus Rossignoli, intitulada “A história dos sonhos: de Morfeu às Neurociências”.
Doutorando em Neurologia/Neurociências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), Matheus contou aos alunos que seu interesse pelo tema veio desde cedo, e que já criança, trazia dentro de si uma curiosidade acerca do comportamento das pessoas. “Eu venho de uma família grande, e quando todos se reúnem, vocês podem imaginar a bagunça que é”, contou ele. “E eu sempre tive interesse por entender por que diferentes decisões são tomadas, por que as pessoas se comportam de maneira diferente – eu queria saber o que se passa na mente das pessoas!”, explicou.
E seu interesse pelos sonhos veio por um motivo curioso: Matheus, por recomendação de um amigo, conheceu a aclamada graphic novel de Neil Gaiman, Sandman, que conta a história de Morfeu, o deus dos sonhos e que explora o território misterioso e fascinante dos sonhos. O pesquisador conta que já tinha em si o “mal do neurocientista” e que seu interesse pelos sonhos cresceu ainda mais após a leitura do material de Gaiman: o território mitológico da ficção impulsionou o interesse pelo empírico e pela ciência por trás dos sonhos.
De onde vêm os sonhos? O que acontece com nosso cérebro durante um sonho? Eles têm algum sentido ou são obra do acaso? Quais são as teorias científicas acerca do assunto? Outros animais sonham? Há algum valor evolutivo em sonhar?
O pesquisador trouxe algumas perguntas aos alunos, mas adiantou: apesar dos avanços na área, ainda há muito a ser respondido. Ele contou que o interesse científico pelo assunto foi bastante impulsionado pelos trabalhos de Freud (1856 – 1939), pesquisador austríaco conhecido como “o pai da psicanálise” e um dos primeiros a olhar analiticamente para o território nebuloso da psique humana, buscando compreender através do método científicos os processos envolvidos no ato de sonhar.
Avanços consideráveis vieram com os trabalhos de Kleitman e Aserinky, médicos que se interessaram pela atividade cerebral durante o sono e que evidenciaram o sono R.E.M. (rapid eye movement) e as variações da atividade encefálica enquanto sonhamos.
Aluno: “Se quando estamos em estágio REM a atividade cerebral é parecida com a de quando estamos acordados, então por que não nos lembramos, muitas vezes de nossos sonhos?”
Matheus: “Esta é uma ótima pergunta. Hoje sabemos que a atividade cerebral durante o sono R.E.M. é alta em algumas regiões do cérebro, enquanto outras permanecem inativas – o que significa que muitas estruturas importantes para quando estamos acordados não estão funcionando (…). Ou seja, apesar da atividade ser alta, ela é diferente de quando acordamos. E, quando estamos despertando, o cérebro está mudando sua “forma de operar”, passando do estado de sono para o estado acordado – o que justifica, de certa forma, um desempenho fraco de nossa memória”.
Matheus contou que hoje já sabemos quais estruturas estão ativadas enquanto sonhamos e quais estão inativadas; sabemos que outros mamíferos, aves e alguns répteis possuem sono R.E.M. – o que pode ser um indício de que sonham; além da relação dos sonhos com estímulos externos, fatores emocionais, memórias, etc. Apesar disso, muitas perguntas ainda permanecem e o pesquisador apontou algumas dificuldades ao se estudar os sonhos – e isso é algo que motiva ainda mais o neurocientistas a continuar estudando esse assunto.
Ao fim de sua fala, os alunos estavam ávidos em fazer perguntas (um deles chegou a dizer que tinha no mínimo três para fazer!) e Matheus reconheceu que esse é um tema que incita muito interesse e curiosidade por parte de todos.
Uma questão trazida pelo aluno Luís, de Luiz Antônio, que participou dos programas da Casa regularmente em 2014 e ainda participa pontualmente de alguns encontros e de algumas palestras, foi considerada por Matheus Rossignoli como uma questão “com a cara da Casa da Ciência”:
Luís: “Falando em plasticidade sináptica – a forma como o nosso cérebro se molda em função da obtenção de memórias e de informações diárias, os sonhos poderiam ser uma consolidação das nossas memórias?”
Matheus: “Sim. Na verdade, existem várias pesquisas que mostram o quanto – não especificamente os sonhos, mas o sono R.E.M. é fundamental para a consolidação das nossas memórias. Eu não abordei isso diretamente, mas uma das especificações do sono R.E.M. seria essa transferência de memórias consideradas recentes, tornando-as memórias de longo prazo. É como se os sonhos atuassem como uma espécie de filtro que decidem quais informações do seu dia são importantes e que precisam ser guardadas por muito tempo. Por exemplo, uma memória bastante afetada por fatores emocionais é “revisitada” no sonho, de forma que ela venha a se consolidar. A nível celular, essa consolidação acontece a partir do fortalecimento ou enfraquecimento de sinapses, que seria o que você chamou de plasticidade sináptica.”
Durante a palestra, Matheus trouxe a interpretação de diversos pesquisadores sobre o que são os sonhos, como funcionam, para que servem, etc. Uma destas teorias foi formulada por Hobson, no século XX, que afirmava que os sonhos eram formados por imagens sem sentidos, obras do acaso e decorrente de uma atividade cerebral desordenada. Em outro momento, Matheus citou a questão dos “sonhos lúcidos”, casos raras de pessoas que possuem certo “controle” sobre suas ações ao sonhar. Um dos alunos do programa estabeleceu uma interessante relação entre esses dois fatos:
Aluno: “Você falou de pessoas que podem controlar o próprio sonho. Isto, de certa forma, não negaria a ideia de que os sonhos são formados por imagens aleatórias?”
Matheus: “Sim! O autor que propôs esta teoria ficou completamente desiludido – ele tinha uma teoria consolidada, de certa forma fortalecida por diversos experimentos e ele considerado um dos mais importantes especialistas do assunto. Mas alguns anos depois, novos testes mostraram dados completamente contrários e o autor não quis refutar sua própria teoria – o que é muito comum na ciência (…). Ele ainda insiste que mesmo que haja um certo controle sobre os sonhos, a aleatoriedade também existe. Mas fica cada mais claro que, por mais que nós não entendamos completamente os sonhos, “aleatório” não é uma palavra que deve ser utilizada para descrevê-los”.
Com uma palestra brilhantemente ministrada, Matheus trouxe um pouco mais sobre os desafios e os avanços alcançados pela neurociência no estudo dos sonhos, passando pela ficção, pelo empirismo e pela curiosidade que esse território fantástico nos incita. Citando Neil Gaiman, ele encerrou sua apresentação dizendo que “é o mistério que permanece, não a explicação”. E se o mistério é mesmo um dos principais combustíveis para a ciência, que novas respostas tragam sempre novos mistérios!
texto por Vinicius Anelli
revisão por Marisa Barbieri
vídeo por Roberto Sanchez
Quer saber mais sobre os sonhos? Na seção Ciência em Foco, você pode ler mais sobre os assuntos trabalhados nas palestras do Adote.
Você precisa fazer login para comentar.