O professor livre-docente da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Dr. Fernando Luis Barroso, provocou os alunos do programa Adote um Cientista, na tarde do dia 28 de maio de 2015, mostrando que jogos online podem fazer muito mais do que entreter: eles podem contribuir com descobertas científicas.

Fernando iniciou sua fala destacando os usos mais comuns do computador em nosso cotidiano: nos comunicamos e nos relacionamos (online) com outras pessoas através de redes sociais, vemos vídeos e ouvimos música, jogamos… além disso, é cada vez mais recorrente termos sempre no bolso um computador portátil – o celular, cuja tecnologia já supera e muito o processamento dos computadores de duas décadas atrás. “Há alguns anos, seria um sonho para alguns pesquisadores ter em seu laboratório um computador com capacidade de processamento igual a de muitos celulares atuais”, contou o professor aos alunos. Ele também falou um pouco sobre a implementação de sistemas escolares, uma prática cada vez mais comum no Brasil e que modifica aspectos da gestão e da organização das escolas.
Outro assunto interessante é a questão do uso de jogos online que acabam contribuindo com pesquisas científicas. Um exemplo trazido por Fernando foi o jogo Foldit. O próprio logo da página do jogo, que diz “Solve Puzzles for Science”, deixa claro que a intenção é resolver enigmas da ciência jogando. No caso, a ideia é que os participantes compitam entre si na tentativa de produzir a melhor proteína, desde que algumas regras acerca de como esse proteína é “montada” sejam seguidas. Uma das grandes questões da biologia, hoje, é prever a conformação de uma proteína – algo que demanda uma grande quantidade de recursos. Nesse sentido, o jogo Foldit contribui ao se aproveitar das intuições do ser humano em resolver essa questão: um banco de dados central analisa as estratégias de todos os jogadores e identifica padrões, que irão influenciar nos estudos conduzidos em laboratório.
O professor contou que “nós sabemos quais são as leis da natureza. Mas ao inseri-las em determinado contexto, não conseguimos prever quais leis se sobrepõem a outras”.

Enovelamento proteico
Fernando contou aos alunos que a atividade de 70% das proteínas depende diretamente do seu enovelamento. E esse enovelamento responde a diversas leis de uma forma ainda não completamente compreendida pelos cientistas. Ele explicou que a natureza faz isso com extrema eficiência e rapidez, de tal forma que mesmo supercomputadores têm dificuldades em repetir todas as etapas desse processo em tempo real. “A natureza faz isso em um tempo tão rápido, que seria o equivalente a se pegar 1 segundo e dividi-lo por 1 milhão de partes. Isso acontece muito rapidamente!”, contou o professor.

As proteínas constituem a maior parte da estrutura celular. Elas não atuam apenas como blocos que “constroem” a célula, mas também participam de praticamente todas as funções celulares. Enzimas promovem reações químicas, canais e bombas controlam a passagem de íons e de substâncias através de membranas, algumas proteínas “ativam” organelas, outras atuam como mensageiros celulares, outras como anticorpos, ou hormônios, ou mesmo como fibras elásticas. Até a bioluminescência depende da atividade algumas proteínas. Imprescindíveis para a atividade celular, são especificadas pela sua sequência de aminoácidos (dentre 20 aminoácidos normalmente encontrados nos seres vivos) e se enovelam, adquirindo conformações específicas, de acordo com o papel que exercerá no organismo. Diversos fatores influenciam o enovelamento, dentre eles o pH, a temperatura e a própria constituição de aminoácidos. As proteínas são as moléculas estruturalmente mais complexas e funcionalmente mais sofisticadas das quais se tem conhecimento. E isso não é um choque, dado seu papel fundamental no processo evolutivo que ocorreu (e ainda ocorre) ao longo de bilhões de ano.

(Adaptado de Biologia Molecular da Célula, 5ª Edição).

Além disso, o enovelamento defeituoso de uma proteína pode trazer diversos problemas ao organismo, uma vez que afeta a própria função biológica da molécula. Dentre as doenças associadas a alterações no enovelamento proteico, Fernando citou o mal de Parkinson, a doença de Alzheimer e a doença da “vaca-louca”. Quando questionado por um aluno sobre como o enovelamento proteico se associa a essas doenças, ele explicou que a proteína com algum defeito estrutural se desenovela e, ao fazê-lo, pode se aglomerar com outras proteínas (o que não deveria acontecer na situação normal), levando ao desenvolvimento de uma doença degenerativa. Entender os detalhes do processo de enovelamento, a longo prazo, torna mais provável que possamos controlá-lo ou, ao mesmo, repará-lo.

Dada a importância de estudos na área, o professor contou que um dos grandes desafios da ciência atual é prever, a partir da estrutura de aminoácidos que compõe determinada proteína, como será seu enovelamento e qual será sua configuração especial final. Ele apontou que há duas maneiras de se olhar para o mesmo problema, e que, embora complementares, elas influenciam no objetivo final da pesquisa e também na forma como isso será investigado: pode-se tentar compreender o processo como um todo, ou seja, o enovelamento em si; ao mesmo tempo, pode-se também tentar prever a estrutura final da proteína dada sua composição.

A modelagem
Fernando Barroso contou aos alunos do Adote um Cientista que jogos online como o Foldit (e outro, também mencionado por ele, chamado Nanocrafter) podem ajudar a compreender esse tipo de questão complexas através da matemática, da física e da informática.
Ele explicou que as interações físicas entre dois átomos obedecem a algumas leis (mencionadas por ele, anteriormente, como “leis da natureza”) e que essas interações podem ser descritas a partir de um modelo matemático. Isso é feito através de funções matemáticas, que levam em conta, grande parte das vezes, a distância entre os átomos – além de outros parâmetros. Essas funções são capazes de traduzir, para o computador, as tais das leis da natureza. Transmitindo essas leis para a máquina, o próprio computador será capaz de testar modelos e hipóteses de como, por exemplo, uma proteína com determinada composição de aminoácidos se enovelaria.
O professor disse aos alunos que a modelagem molecular consiste na descrição simplificada e idealizada de um sistema ou processo. A partir do modelo, são feitos testes para verificar se ele reflete a realidade. Quando isso ocorre, os próprios modelos desenvolvidos são utilizados para se fazer previsões (como, por exemplo, prever qual será a conformação final dada uma sequência de aminoácidos). Embora o termo se confunda muitas vezes com bioinformática, Fernando explicou que a diferença entre esses dois nomes é a escala: a modelagem molecular se refere a modelos que se baseiam em sistemas e condições mais simples; já a bioinformática, refere-se a situações onde diversos processos e sistemas complexos são considerados.
Dado um sistema muito complexo, é preciso simplifica-lo para que ele possa ser melhor compreendido e experimentalmente manipulado. “No caso, seria o que chamamos de ‘fazer o ônibus ou a vaca esféricos”, disse ele. Para isso, é necessário identificar o que há de mais relevante e o que pode ser descartado na simplificação, e isso pode ser feito, por exemplo, com a aproximação de alguns dados em função da escala no qual esses dados irão operar. “Se eu for analisar o tempo de viagem de Ribeirão Preto a São Paulo, eu preciso olhar para parâmetros como a distância entre as duas cidades e a velocidade do deslocamento. Se o carro possui 2,5 metros ou 3 metros, nessa escala, não fará diferença alguma para minha análise”, exemplificou ele.

A solução do quebra-cabeça
Nesse sentido, a modelagem seria estabelecer a função matemática, de forma que ela venha a abarcar o cenário mais verdadeiro possível, simplificando-o a um ponto que possa ser melhor compreendido e testado. A solução do modelo será feita, finalmente, através de algoritmos computacionais.
Porém, para fazer isso, é preciso utilizar supercomputadores cuja capacidade de processamento é elevada. No caso do exemplo trazido ao início de sua fala, o jogo Foldit armazena todas as jogadas feitas pelos usuários em um supercomputador central. Esse computador irá analisas as estratégias dos jogadores e identificar e avaliar os padrões observados. A partir disso, é possível adotar algumas estratégias para que elas possam ser experimentalmente testadas. Isso facilita o trabalho do cientista, uma vez que, no caso do problema do enovelamento proteico, as possibilidades de enovelamento são muitas para serem todas testadas.
Fernando contou ainda que um banco de dados armazena informações referentes à estrutura proteica. Essas informações são combinadas com parâmetros experimentais (tais como pH, temperatura, pressão, etc.) e, a partir disso, um computador irá utilizar os modelos fornecidos para fazer os cálculos e apresentar os resultados. No caso da bioinformática, esse trabalho se torna ainda mais complexo, uma vez que diversos sistemas e processos podem ser adicionados a essa equação, tornando sua solução ainda mais difícil.

Bioinformática Estrutural
Livre-docente na Universidade de São Paulo, o professor Fernando Barroso contou também aos alunos do programa um pouco das muitas linhas de pesquisa que desenvolve em seu laboratório. Ele destacou, aqui, que são estudos nos quais diversas áreas do conhecimento convergem (biologia, física, química, matemática, biologia molecular, informática, nanotecnologia, etc.). Ele contou que poderia sintetizar suas linhas de pesquisa em dois grandes blocos: em um deles, estão tentativas de se prever a estrutura final de uma proteína; no outro, analisar a interação das proteínas com outras coisas (como nanoproteínas, íons, fármacos, etc.).
Um dos conceitos mais interessantes trazido por ele, e que impressionou alunos e professores, está relacionado à interação proteína-proteína. “No caso, se temos duas moléculas de cargas iguais, o que é esperado: atração ou repulsão?”. Os alunos rapidamente responderam que elas iriam se repelir. “Mas a natureza nos mostra que, na verdade, isso nem sempre acontece!”
Ao iniciar sua explicação, Fernando rapidamente adiantou que isso não significa que aquilo que aprendemos na escola está errado. Quando duas cargas iguais e isoladas são aproximadas, ocorre repulsão. Ele explicou, porém, que na natureza, moléculas dificilmente se encontram em um contexto isolado.
Ele mostrou um experimento, então, no qual moléculas de cargas iguais se atraíam de acordo com a carga de outras moléculas que estavam no meio. No caso, ao colocar moléculas trivalentes no meio, foi observado que moléculas de carga igual se aglutinaram. Isso se reflete em diversos aspectos.
Por exemplo, a molécula do DNA é negativa, porém ela é capaz de se encapsular em alguns estágios do ciclo celular. Experimentalmente, mostrou que, ao se colocar cargas altamente positivas (tri- ou tetravalentes) no meio, o DNA se condensava.

Aluno: Se eu tiver uma carga positiva e outra negativa, tem como elas se juntarem para forma um novo indivíduo?
Fernando: Não um novo indivíduo, mas ao se juntar elas vão passar a ter uma nova função biológica. Elas provavelmente irão se agregar, outras vão ativar alguma função… mas elas não formam um novo indivíduo. Isso pode, porém, ser o início de um processo de alguma doença (…).

As aplicações para isso são diversas. O professor contou, por exemplo, que essas interações entre cargas explica como construções milenares de concretos permanecem de pé, já que estão associadas à formação das placas de cimento.

Aluno: Como você consegue identificar se um íon é positivo ou negativo?
Fernando: Existem várias estratégias. Eu posso colocar, por exemplo, duas placas carregadas, uma positiva e uma negativa, e ver para onde esses íons migram.

Outros estudos foram também apresentados por ele. Ele contou que muitos medicamentos contém substâncias voláteis de fármacos que estão microencapsuladas. Esse encapsulamento previne que o medicamento seja liberado em algum região errada do trato gastrointestinal, garantindo que o remédio seja ministrado no local desejado e na quantidade correta. Isso é feito utilizando, principalmente, proteínas do leite e também a pectina.
Outra interessante linha de pesquisa demonstrou a influência do pH na formação da teia das aranhas, um material de alta resistência e flexibilidade, considerando o peso da aranha e o comprimento do fio. Fernando explicou que o aumento da acidez do órgão que libera a teia é responsável pela aglutinação das proteínas que a compõe, e isso foi demonstrado experimentalmente em laboratório. Ele contou que uma das hipóteses que explicam esse fenômeno é a do dipolo elétrico na qual se acredita que as moléculas que compõem a teia são dipolares, e que a extremidade negativa de uma molécula se une a extremidade positiva de outra, e que a extremidade positiva dessa mesma molécula se une a extremidade negativa de outra, o que confere resistência à substância produzida. Segundo o professor, essa hipótese foi testada a partir de modelos computacionais.

Iniciando sua fala com usos cotidianos do computador, passando por jogos online, Barroso acabou versando sobre diversos temas que, convergentes, culminam na bioinformática e na modelagem molecular. Ficou bastante evidente aos alunos que essa é uma área da ciência que abrange diversos módulos do conhecimento, das ciências exatas às biológicas. Nesse sentido, foi uma aula bastante rica em conceitos que se cruzam e se complementam e que mostrou aos alunos do programa Adote um Cientista que modelagem matemática não se resume a contas. Afinal, existe algo mais tecnológico do que um supercomputador? Ou mais natural do que uma teia de aranha?


Espaço dos alunos

A partir da análise das filipetas do encontro, a equipe da Casa da Ciência produziu este infográfico destacando as principais dúvidas manifestadas pelos alunos e os principais conceitos aprendidos no encontro. A finalidade deste instrumento é a avaliação dos momentos de aprendizagem do aluno e valorização da sua dúvida.


Texto

Autoria: Vinicius Anelli

Edição: Prof. Dr. Fernando Barroso

Revisão: Profa. Dra. Marisa Barbieri, Alice Okabayashi e Fernando Trigo

 

Espaço dos alunos

Análise de filipetas: Luciana Silva

Infográfico: Vinicius Anelli

Diagramação

Vinicius Anelli