Gabriela Molinari Roberto estuda o câncer desde o segundo ano de sua graduação em Ciências Biológicas. A mestranda em Oncologia Clínica, Terapia Celular e Células-Tronco no Hemocentro de Ribeirão Preto trouxe aos alunos do Adote um Cientista, no encontro do dia 24 de setembro, um pouco mais sobre as pesquisas que buscam a cura do câncer. Ou seria “curas”?

Um tumor(es)

Em um indivíduo adulto normal é esperado que haja um equilíbrio entre divisão (crescimento) e morte celular. Esse equilíbrio é essencial para que organismos pluricelulares possam sobreviver. Quando algum desequilíbrio ocorre devido a alguma alteração genética, uma célula defeituosa pode passar a se dividir descontroladamente, o que leva à formação de um tumor.
Neste sentido, o câncer é o nome dado a um conjunto de doenças caracterizadas pela divisão celular anormal e descontrolada, nas quais essas células sem controle (tumores) são capazes de invadir e se implantar em outros órgãos e tecidos (metástase).

Seria comum uma célula normal combater o câncer?”, um dos alunos perguntou. A pesquisadora explicou que quando o indivíduo tem o tumor, isso significa que seu sistema imunológico já não foi capaz de combate-lo. É possível, porém, para alguns tipos de câncer, que o tratamento utilizado seja no sentido de estimular as defesas do organismo para que o próprio sistema imunológico vença a doença

De uma única célula defeituosa pode se formar um tumor que, por apresentar divisão celular descontrolada, pode acabar acumulando mutações: ou seja, em um mesmo tumor, diversos tipos celulares podem ser encontrados. “Então se eu já tenho um tipo de célula cancerosa em um local, é possível que nesse mesmo local surja outro tipo de câncer?”, questionou um dos alunos. A pesquisadora explicou que sim, afirmando que um tumor não consiste de uma só linhagem com um tipo de mutação, mas sim de diversas linhagens com diferentes mutações, uma vez que o acúmulo de alterações genéticas é propiciado pela alta taxa de divisão celular.
E isso dificulta o tratamento”, ela alertou.

Cada câncer, um câncer

De um lado temos Joana, uma paciente fictícia de 40 anos, com dores fortes de cabeça, náusea e convulsão. Joana vai ao médico e, após um exame de ressonância magnética, é diagnosticada com um tumor cerebral. Do outro lado, Cadu, também fictício, 16 anos, com dores fortes na região do joelho e inchaço local. Seus exames detectam uma massa tumoral nessa área.

Os dois tumores são iguais?”
“Não!”, enfatizam os alunos.
Isso mesmo. Um tumor veio de uma célula nervosa, o outro de uma célula do osso. Respectivamente, Joana foi diagnosticada com um glioblastoma e Cadu tem um osteossarcoma. O tratamento é o mesmo?”
“Não”, responderam os alunos.

Gabriela explicou que Joana será tratada com cirurgia para remoção da massa tumoral, seguida de quimioterapia com temozalamida (TMZ, uma droga alquilante) e radioterapia. O tumor de Joana, porém, é agressivo, e sua expectativa de cura é pequena.

Já Cadu passará por um tratamento consistindo de quimioterapia multimodal (ministrando-se diferentes drogas), uma cirurgia e mais uma sequência de quimioterapia multimodal. Cadu tem altas chances de cura.

A pesquisadora contou que o câncer é um conjunto de várias doenças que, apesar de guardarem diversas características em comum, possuem origem genética diferente. E isso irá implicar em diagnóstico, progressão e tratamento diferentes para cada tipo de câncer. “As pessoas esperam pela cura do câncer. Mas não existe uma cura, e sim várias. Para cada tipo de doença, para cada paciente”.

Ana e Maria são duas mulheres (também fictícias) que fizeram exame de mamografia e encontraram nódulos em suas mamas. “É a mesma coisa?”, provocou Gabriela. Os alunos, em dúvida, não souberam ao certo. “Se fizermos uma biópsia”, ela continuou, “os dois tumores serão identificados como carcinoma tubular da mama (…) Mesmo nome, mesmo diagnóstico. O tratamento é o mesmo?”
A mestranda mostrou que quando se estuda os tumores mais a fundo, nota-se importantes diferenças entre as pacientes. No caso de Ana, um estudo histológico revela que as células tumorais dela são HER2 positivas, ou seja, possuem superexpressão de receptores HER2 em sua membrana celular. Por isso, os médicos de Ana irão optar por tratá-la com a droga Trastuzumab.
Já o tumor de Maria possui células com muitos receptores de estrógeno (células ‘receptor de estrógeno positivo’), indicando que seu tumor é dependente dos níveis hormonais de estrógeno para sobreviver. Por isso, Maria será tratada com hormonioterapia. 
Gabriela contou que, no passado, ambas seriam tratadas da mesma maneira, e Ana, muito provavelmente, iria morrer. Isso porque foi apenas após o descobrimento da proteína HER2 e do seu papel no tumor que um tratamento específico para esse tipo da doença foi desenvolvido. Hoje, tumores HER2 positivo são os mais facilmente tratados.

Os biomarcadores

Tanto o receptor HER2 quanto o receptor de estrógeno são biomarcadores. Isso significa que essas são moléculas biológicas encontradas no sangue e em outros fluidos ou tecidos corporais, como urina e plasma, que podem ser utilizados para identificar uma condição biológica ou uma doença. No caso, células com superexpressão de HER2 em uma massa tumoral são indicadores de carcinoma tubular da mama, do tipo HER2 positivo.

Biomarcadores podem ser enzimas, anticorpos, receptores de membrana, microRNAs e até mesmo mutações genéticas no DNA. Um dos alunos questionou se o glicocálice pode ter papel como biomarcador. Gabriela explicou que a composição do glicocálice pode variar de acordo com o tipo celular, e isso pode acabar trazendo, sim, algumas informações sobre o tumor.

Pesquisadores da área, porém, têm concentrado seus esforços na busca por biomarcadores ideais para cada tipo tumoral. Segundo Gabriela, um biomarcador ideal deve ser acessível por métodos não-invasivos e específico à condição de interesse, representando uma indicação confiável de manifestação da doenças antes que a fase sintomática se inicie. Além disso, o biomarcador ideal tem que ser sensível a mudanças patológicas, como progressão da doença e resposta ao tratamento. E, não menos importante, deve ser também um alvo molecular específico para o tratamento, ou seja, um alvo terapêutico.
A proteína HER2, por exemplo, é um biomarcador específico ao tipo de tumor e também um alvo terapêutico, pois a inibição do receptores HER2 da membrana celular tumoral, utilizando a droga Trastuzumab, leva à regressão do tumor. Apesar disso, nem todo biomarcador é um alvo terapêutico, como é o caso do PSA (antígeno prostático específico) que, apesar de indicar câncer de próstata, não está diretamente associado ao tratamento.

Mas o tratamento inibe as outras células ou só as do tumor?”, perguntou um dos alunos.
Ela explicou que inibe as outras células também, mas elas não dependem tanto dessa proteína quanto a tumoral. Os tratamentos podem trazer danos para as células saudáveis do organismo, mas não tanto quanto o dano causado nas células tumorais. A busca por alvos terapêuticos procura tratamentos que não afetem tanto as outras células, mas que sejam letais às cancerosas. Na quimioterapia, por exemplo, algumas drogas causam a queda de cabelo e náusea, porque seu alvo são as células em constante divisão: é o caso das células tumorais, bem como das células do folículo capilar e do trato gastrointestinal, de forma que estas também serão afetadas.

Os biomarcadores podem ser utilizados em diversos momentos, indicando diferentes informações. Existem biomarcadores de predisposição, que revelam a probabilidade do indivíduo desenvolver um tipo de câncer; o de diagnóstico, que aponta qual o tipo da doença que o paciente desenvolveu; o de prognóstico, que conta como essa doença irá se comportar; o de rastreamento, para a detecção precoce da doença; o preditivo, que informa se a terapia está funcionando ou não; o de monitoramento, que verifica como o tumor está evoluindo; e o de recidiva, que indica se o câncer, depois de curado, pode voltar.

Alguns exemplos

Os exemplos já citados, HER2 e receptor de estrógeno, são receptores de membrana e biomarcadores do tipo preditivo, que indicam se o tratamento utilizado está funcionando.
O antígeno prostático específico (PSA), em altos níveis, indica câncer de próstata, apesar de também estar associado a inflamações. Por isso, é um biomarcador de rastreamento, que indica a possibilidade do câncer, que será confirmado pelo exame de toque. Semelhante ao PSA, que é uma proteína secretada pela tumor, é o hormônio Beta HCG. Apesar de não estar relacionado com câncer, esse hormônio é secretado pelo embrião, podendo ser detectado na urina ou no sangue. É um biomarcador de diagnóstico, e indica se a mulher está grávida ou não.
Algumas mutações cromossomais também funcionam como biomarcadores. É o caso do cromossomo Filadélfia, que consiste no cromossomo 9 translocado com um pequeno pedaço do cromossomo 22. É um biomarcador de diagnóstico, indicando leucemia mielóide crônica. Além disso, é alvo terapêutico, já que o tratamento dessa leucemia busca inibir a proteína quimerica BCR-ABL resultante da translocação encontrada no cromossomo Filadélfia.
Já mutações em nível de DNA, como as dos genes BRCA1 e BRCA2 são biomarcadores de predisposição. Quando encontradas, essas mutações indicam 60-87% de chance de a mulher desenvolver câncer de mama, e 20-54% de chance de surgir câncer de ovário. Esses são cânceres hereditários, e recentemente foram bastante comentados na imprensa, devido ao caso da atriz Angelina Jolie, que removeu as duas mamas como prevenção por ter encontrado mutações nesses genes, já tendo perdido mãe e avó para o câncer de mama.
Gabriela contou também que estudos recentes mostram que, nos tumores, a função dos micro RNAs, que atuam geralmente na regulação da codificação genética, é desregulada. Em seu mestrado, a pesquisadora estuda a variação da expressão de micro RNAs das células de osteossarcoma. Seu estudo pode implicar em novas perspectivas no entendimento e no tratamento desse câncer.

Gabriela contou que, em seu projeto, para identificar novos biomarcadores, são comparadas amostras de células do osso de pacientes com osteossarcoma com amostras de osso de pessoas saudáveis.

É comparada, então, a expressão de uma vasta quantidade de micro RNAs – na escala de milhares, segundo a pesquisadora. Essa comparação permite identificar quais micro RNAs estão desregulados nas células tumorais. A partir disso, é feita a validação em estudos in vitro, na qual são selecionados os micro RNAs que, possivelmente, estão desregulados, e sua expressão é testada em um número maior de amostras de pacientes. O histórico do paciente também é levado em consideração nesse trabalho, ocorrendo, posteriormente, a validação através de experimentação animal e finalmente em ensaio clínico.

Novas perspectivas

Gabriela Molinari explicou, ao fim de sua fala, que acredita em uma tendência em direção à medicina personalizada, em que o tipo de tumor, juntamente com a especificidade do paciente, será tratado de forma única, respeitando as particularidades presentes em cada caso.

Ela contou, por exemplo, que a descoberta do cromossomo Filadélfia foi um grande avanço no tratamento da leucemia, mas que hoje, estamos na quarta geração de medicamentos – isso porque ainda existem pacientes que apresentam recidivas, indicando que há muito a ser descoberto ainda.
Para ela, a cura será possibilitada pela junção de evolução tecnológica para a análise do tumor, avanço na identificação de biomarcadores e também na identificação de drogas específicas para os alvos terapêuticos. Quando questionada, porém, se a medicina personalizada já é uma realidade, Gabriela contou que é uma alternativa bastante cara e ainda inviável: há muito o que se avançar nesse campo.


Espaço dos alunos

A partir da análise das filipetas do encontro, a equipe da Casa da Ciência produziu este infográfico destacando as principais dúvidas manifestadas pelos alunos e os principais conceitos apontados ao final do encontro. A finalidade deste instrumento é a avaliação dos momentos de aprendizagem do aluno e valorização da sua dúvida.

Com a palavra, a pesquisadora!

A mestranda Gabriela Molinari conferiu o infográfico com as perguntas deixadas pelos alunos ao fim das palestra, e nos enviou as respostas! Confira abaixo:

Os biomarcadores devem ser retirados do nosso corpo para estudá-los?

Gabriela: Sim. Para identificação de biomarcadores é necessário o estudo detalhado dos fluídos e do tecido tumoral dos pacientes com câncer. Para tanto, urina e sangue devem ser coletados e parte do tumor deve ser retirado através de procedimentos cirúrgicos. Só assim é possível ter acesso às proteínas e aos genes desregulados e característicos de cada tumor e paciente. 

É possível sintetizar em laboratório um alvo terapêutico e tornar a célula tumoral dependente dele?
Gabriela: Não. O alvo terapêutico é caracterizado por qualquer molécula cuja função ou expressão é encontrada desregulada no tumor e é essencial para o crescimento tumoral, de forma que, quando sua função ou expressão é restaurada a níveis normais, o tumor perde a capacidade de crescer descontroladamente e começa a morrer. Dessa forma, o alvo terapeutico não pode ser sintetizado em laboratório e é específico de cada tumor, de cada caso. O que é possível sintetizar em laboratório são os inibidores dos alvos terapeuticos, de forma que o tumor perca a molécula que o sustenta e, assim, regrida.

O que acontece quando um microRNA metilado se conecta ao RNA mensageiro?
Gabriela: O microRNA não pode ser metilado, o que pode ser metilado é o gene que transcreve o microRNA. Quando isso ocorre, o microRNA não é transcrito (sintetizado) e, portanto, não pode se conectar ao RNA mensageiro-alvo. O microRNA fica hipoexpresso (expressa menos) e a proteína codificada pelo RNA mensageiro-alvo é expressa em maiores níveis. 

Existe micro DNA?
Gabriela: Não. Ninguem ainda achou micro DNAs na célula.

Galeria de Foto e Vídeo


Texto

Autoria: Vinicius Anelli

Edição: Gabriela Molinari

Revisão: Fernando Trigo

Espaço dos alunos

Análise de filipetas: Luciana Silva

Infográfico: Vinicius Anelli

Diagramação

Vinicius Anelli