No dia 22 de maio de 2014, a pesquisadora Dra. Maristela Delgado Orellana trouxe para o Adote um assunto bastante estudado e de grande repercussão nas discussões acadêmicas e políticas: as células-tronco. Especialista na área há aproximadamente 20 anos, Maristela coordena o Laboratório de Terapia Celular do Hemocentro de Ribeirão Preto, no qual desenvolve pesquisas neste campo, mais especificadamente em terapia celular.
Parceira da CASA desde 2001, a pesquisadora sempre fica bastante a vontade com os jovens e, neste encontro, lançou perguntas a todo o momento, provocando-os a definir e articular conceitos sobre o tema. Apresentando as etapas da embriogênese, Maristela iniciou o diálogo falando sobre o desenvolvimento do zigoto, que passa por diferentes fases – como a mórula e a blástula – com crescente diferenciação dos tecidos (muscular, conjuntivo e epitelial, por exemplo). Também destacou a formação dos órgãos – esôfago, estômago, fígado, intestino, dentre outros – que estruturam os diferentes sistemas do nosso corpo como, por exemplo, o digestório. Neste contexto de desenvolvimento do embrião, diversas perguntas foram feitas aos jovens, “aquecendo” a discussão:
Nisso tudo [referindo-se à embriogênese], onde estão as células-tronco?
Quais tipos de células? Onde estão? Um órgão tem células-tronco? Um tecido tem células-tronco? O indivíduo adulto tem células-tronco? Profa. Marisa (Coordenadora da Casa da Ciência): A célula ovo é um tipo de célula-tronco? |
“Temos vários tipos de células nas diferentes fases do desenvolvimento ontogenético – desde a fecundação do ovo até a vida adulta. Em todas as fases, a gente tem células-tronco, só que dependendo da fase da qual ela se origina vai apresentar uma propriedade diferente, uma função diferente e um nome diferente”, explicou a especialista. Complementando sua explicação, ela apresentou a classificação das células-tronco conforme sua origem e seu potencial de diferenciação:
a) quanto à origem: elas podem ser embrionárias (formam o embrião) ou somáticas (quando começa a formar o feto).
b) quanto ao potencial de diferenciação: quanto mais jovem a célula-tronco, maior o seu potencial de diferenciação. Logo após a fecundação do oócito pelo espermatozoide, até a fase de 4 células, elas são chamadas de totipotentes. Estas células apresentam a capacidade de gerar um indivíduo adulto completo, além dos anexos fetais (placenta, cordão umbilical e o saco vitelínico). Na próxima fase, conhecida como blástula, elas são classificadas como pluripotentes, com capacidade de gerar todas as células do indivíduo adulto, com exceção dos anexos fetais. À medida que ocorre a diferenciação e a especialização dos tecidos, este leque de potencial se reduz e passamos a encontrar as linhagens multipotentes, oligopotentes emonopotentes.
Maristela: No indivíduo adulto, a gente encontra células-tronco? [retomando uma das perguntas iniciais].
Alunos: Sim. Maristela: Existem células-tronco totipotentes na vida adulta Alunos: Não. Maristela: E existem células-tronco pluripotentes na vida adulta Alunos: Não [respondem após consultar esquema apresentado no slide]. Maristela: Neste ponto há controvérsias. A gente sabe que alguns tipos de tumores são capazes de produzir células dos três folhetos embrionários (ectoderma, mesoderma e endoderma), característica de células pluripotentes. |
A regeneração das células da pele, por exemplo, que são repostas constantemente, pode ocorrer de duas formas. Na primeira, células-tronco se diferenciam em células epidérmicas. Já na segunda forma é pela divisão das células presentes no tecido. Isso tudo é regulado geneticamente e é um dos grandes desafios da Ciência, compreender os mecanismos por trás da regeneração. É um sistema orquestrado, muito bem regulado, para não gerar tumores ou doenças. |
Aluna: Qual a célula-tronco mais comum?
Maristela: Na vida jovem, na fase embrionária, a gente encontra praticamente células pluripotentes. Na vida adulta, a mais comum é a somática. Mas sabe-se que no adulto pode-se encontrar células pluripotentes. |
E quais as principais características de uma célula-tronco?
A auto-renovação, a diferenciação e quiescência são processos observados em todas as células-tronco, define a pesquisadora. Ou seja, todas possuem a capacidade de se dividir, sem se diferenciar, promovendo o auto-repovoamento desta linhagem, mantendo o pool de células-tronco. Entretanto, sabe-se que esse pool sofre uma redução ao longo da vida.
Na medula óssea, por exemplo, a célula-tronco hematopoiética – que tem vida média de curta duração – constantemente são renovadas por células-tronco somáticas.
Outro exemplo é o fígado, um órgão com alta capacidade de regeneração que apresenta um pool de células-troncos somáticas responsáveis por sua regeneração. Quem consome álcool, enquanto jovem, as células conseguem regenerar a lesão dos tecidos. Com a idade, essa capacidade é reduzida, podendo levar à cirrose hepática alcoólica. |
A quiescência corresponde ao processo de envelhecimento das células, que regula a morte celular programada (apoptose), evitando que tumores, por exemplo, sejam manifestados, concluiu a pesquisadora.
Maristela: Uma célula de 50 anos tem a mesma expressão gênica de uma célula de cinco dias?
Aluna: Não. Maristela: Por quê? Aluna: A célula vai se modificando ao longo da vida. Marisa: Modificando como? Aluna: No feto ela é de um tipo, no adulto não. Marisa: Tem um comando? Aluna pensa. Maristela: É a expressão gênica! |
Há linhagens intermediárias neste processo de diferenciação?
Entre as linhagens de células-tronco e as células diferenciadas existem as chamadas progenitoras. Por exemplo, na formação do sangue, células-tronco multipotentes irão formar células progenitoras linfóides ou mielóides. A linhagem linfóide irá dar origem aos linfócitos B, T e células NK (natural killer). A linhagem progenitora mielóide dará origem às hemácias, aos neutrófilos, aos granulócitos, aos monócitos e às células dendríticas. A diferenciação não ocorre diretamente, existem as linhagens intermediárias, as progenitoras (oligopotentes ou monopotentes). Ocorre uma crescente especialização.
Profa. Marisa: O reparo tem que ser com a célula especializada.
Maristela: Normalmente sim. Aluna: É ai que começa o câncer? O tumor? É na produção diferente das células? Maristela e Marisa: Isso mesmo. Maristela complementa: Nas células progenitoras, o contato célula-célula, inibe o crescimento delas. Já nas células pluripotentes, o contato célula-célula, não inibe o crescimento delas. |
Síntese de perguntas e respostas da pesquisadora
Será que existe um tipo comum de células-tronco que migra de um tecido para outro – para sua manutenção e regeneração – ou será que elas estão distribuídas em diferentes tecidos? São as células-tronco programadas para dividir um número finito de vezes ou têm capacidade de proliferação celular ilimitada? Podemos usar as células-tronco embrionárias no tratamento do indivíduo adulto? Atualmente qual a “limitação” da célula-tronco na ciência? O que é a terapia celular? |
Estudos precursores do transplante de medula óssea
Em 1957, o pesquisador E. Donnall Thomas realizava transplantes de medula óssea em cachorros, sem saber (na época) das questões de compatibilidade entre doadores e receptores, como o HLA, conta Maristela. A partir destes estudos iniciais, foi proposto o transplante de medula óssea em humanos em 1990.
Com a descoberta dos antígenos HLA, foi evidenciada a importância de se respeitar a compatilidade entre doador e receptor, exigindo etapas fundamentais para o sucesso do transplante. No procedimento, inicialmente são realizadas quimioterapias e radioterapias, que eliminam as células tumorais (que são resistentes), mas que também matam as células saudáveis, incluindo as células-tronco hematopoiéticas. Depois, realiza-se a reposição das células-tronco hematopoiéticas e o paciente recebe medicamentos para reduzir a rejeição das células transplantadas.
Desde quando fazemos terapias celulares?
Na década de 60, Till e Mc Culloch (ganhadores do Prêmio Nobel), foram os primeiros a descobrirem a existência de células-tronco hematopoiéticas. Após a 2º Guerra Mundial, as pessoas expostas à radiação da bomba atômica, manifestaram exaustão da medula óssea e, na busca pela cura, os pesquisadores realizaram alguns experimentos: submeteram camundongos saudáveis à radiação; em seguida, extraíram células da medula óssea de animais saudáveis e injetaram nos camundongos irradiados. Observaram que houve a reconstituição da medula óssea e formação de unidades formadoras de colônias esplênicas (vascularizadoras) no baço. Futuramente, este estudo foi a base para o desenvolvimento do transplante de células progenitoras hematopoiéticas. |
Onde já se utilizou, com sucesso, células-tronco para terapia?
Doença Cardiovascular
Já foram utilizadas células-tronco somáticas em coração humano, mas apresentaram efeito limitado. Não se integram totalmente ao tecido do miocárdio.
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Diabetes Já existem iniciativas, como o transplante de ilhotas do pâncreas, mas que manifestaram disponibilidade limitada, pois a quantidade produzida ainda é pequena e existe a necessidade da compatibilidade entre o doador e o receptor. Ainda não foi liberado o seu uso clínico. |
Doença de Parkinson Consegue-se obter a diferenciação in vitro de células nervosas, mas elas não funcionam exatamente como a célula adulta diferenciada. Devido ao seu risco de gerar tumores, ainda não foi liberada para uso clinico. |
Com exceção da China, nenhum país aprovou o uso das células pluripotentes no tratamento de doenças e lesões, destacou a especialista. As leis são rígidas e seguem diversas normas de produção e qualidade para a síntese de células de grau clínico. Atualmente, os EUA aprovam patentes com células-tronco embrionária, enquanto os países europeus ainda não aprovam estes tipos de pesquisas. No Brasil não existe uma lei específica para isso. Provavelmente, em poucos anos teremos a produção de grande quantidade de células hematopoiéticas a partir de células-tronco embrionárias para novos tratamentos clínicos e a cura de diversas doenças, finalizou Maristela.
Espaço dos alunos
A partir da análise das filipetas do encontro, a equipe da Casa da Ciência produziu este infográfico destacando as principais dúvidas manifestadas pelos alunos e os principais conceitos aprendidos no encontro. A finalidade deste instrumento é a avaliação dos momentos de aprendizagem do aluno e valorização da sua dúvida.
Texto: Fernando R. Trigo.
Análise das Filipetas: Flávia Kato.
Infográfico: Gisele Oliveira