Em 4 de julho de 2012, cientistas do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN) anunciaram que o bóson de Higgs, também conhecido como ‘a partícula de Deus’ foi detectado pelo LHC (Grande Colisor de Hádrons). Para a ciência, a detecção do bóson de Higgs é um grande passo para uma melhor compreensão do Universo. De acordo com o modelo atual da física, se não existisse o bóson de Higgs, as partículas atômicas não teriam peso e, basicamente, a matéria não poderia ser criada. Você ficou curioso para saber como é o trabalho dentro do CERN?  Denis Damazio é nosso convidado para contar como é o trabalho e a vida de um brasileiro nesse grande centro de pesquisa.

Trabalhar no CERN é como trabalhar em qualquer empresa, tem cobrança, tem trabalho que você preferiria não fazer, mas tem que fazer se não você não consegue chegar nem perto do “filé”, tem um pouco de politicagem. Resumindo, tem tudo o que você pode esperar num misto de ambiente universitário e empresarial. Imagine uma organização hierárquica em que os chefes não, necessariamente, pagam os empregados. Incrivelmente funciona!

Há também os momentos de glória, quando as opiniões convergem e um tópico passa a ser “o importante” (às vezes um tópico que você estava lutando para trazer à tona por dois ou três anos passa a ser muito importante e então a colaboração acorda para sua contribuição). Normalmente, são nesses momentos que você sente que está fazendo algo especial, algo para colaboração e que você contribui decisivamente.

Momento de trabalho na caverna do ATLAS

Eu tinha vindo para o CERN em 2000/2001 para ficar trabalhando na minha tese e ajudar o grupo que monitorava testes com feixes usados pra certificar um dos calorímetros do ATLAS (veja no meu blog para saber o que é um calorímetro em física de partículas). Você chega com medo, e eu tinha dois motivos pra ter medo. Quando chegamos aqui, pensamos que, por sermos brasileiros, os outros vão achar que seu trabalho é, de alguma forma menor, mas isso está unicamente na cabeça do brasileiro (ou talvez seja o medo normal quando se chega num novo lugar, ampliado pelas dificuldades linguísticas). Outro motivo é que a minha graduação foi em engenharia, e não em física, ou seja, muito mais voltado para o aspecto de construção de alguma parte do detector, do que propriamente para física. Com o tempo, percebi que isso tudo era besteira e que o nosso lugar estava esperando pra ser ocupado com o trabalho que tinha que ser feito.

Depois de defender a tese, fui para os Estados Unidos para trabalhar num projeto de raios cósmicos, mas o grupo de lá tinha importantes contatos com o grupo daqui e, em certo momento, foi necessária a vinda de alguém de lá (Brookhaven National Laboratory – BNL) para trabalhar no CERN. Como a experiência de morar na região de Genebra tinha sido muito boa, resolvi, junto com minha esposa, voltar para a região. Viemos em fevereiro de 2005 e eu trabalhei dentro da caverna do ATLAS, instalando peças do detector (fontes de alimentação para a eletrônica “on-board” do outro calorímetro do ATLAS). Aliás, de tempos em tempos tenho que fazer uma visitinha na caverna. Também me ocupei com o software que controla estas unidades durante a operação do detector. Como o trabalho não me ocupava o tempo inteiro, comecei a puxar uma parte de desenvolvimento de código para o sistema de seleção de eventos do ATLAS (trigger) de alto nível. O ATLAS tem três níveis de seleção, um em hardware e dois em software. Eu trabalho, atualmente, nos dois níveis de software, na parte que recebe os dados brutos do detector e os transforma em informação de alto-nível tal como a deposição de energia nas células do detector (assunto que pode ser visto nos meus blogs). Também escrevi e contribui para o desenvolvimento de vários algoritmos que usam essas informações para formar “candidatos” a certos tipos de partículas, por exemplo, fótons (usados pelo ATLAS para achar candidatos a Higgs no processo H->gamma,gamma), elétrons (H->4e ou H->2e2mu), taus (H->tau,tau, não ainda muito estudado), jatos e energia faltante (algoritmo especial pra pegar neutrinos, vindos, principalmente, de W – seleção de H->WW). Agora, divido meu tempo entre divulgação científica, estudo (quando consigo, raras oportunidades!) e desenvolvimento de nova infraestrutura para o upgrade do ATLAS (aumento de intensidade – luminosidade – do feixe) para 2017 e 2022.

Instalação do Calorímetro do ATLAS
Fora disso, levo uma vida bem comum. Tenho minha esposa e dois filhos, que nasceram aqui bem perto, a menos de um quilômetro do CERN. O lado multicultural é extremamente forte aqui, temos muitos amigos brasileiros, alemães, franceses e também de outras nacionalidades. Aqui é muito normal uma criança já chegar aos seis ou sete anos falando no mínimo duas ou três línguas (uma do pai, uma da mãe e outra da escola) e, claro, com uma pronúncia muito melhor que a dos pais. Por vezes também, tentamos não só visitar o Brasil (todo ano), mas também trazer de volta conhecimento através do contato com universidades brasileiras que mandam estudantes para cá para trabalhar conosco, da mesma forma que nós viemos da primeira vez. Esse ano, por exemplo, pude colaborar (indo efetivamente) com o pessoal da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), sem contar com o pessoal do CEFET (Centro Federal de Educaçã Tecnológica), que também compareceu na UFRJ.

Autor:

Denis Oliveira Damazio
Formado em Engenharia Eletrônica pela UFRJ e Doutorado em Engenharia Elétrica com ênfase em Processamento de Sinais pela COPPE/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia).

Blog: http://www.quantumdiaries.org/author/denis-damazio/

Canal Virtual: http://atlas-live-public.web.cern.ch/atlas-live-public/channels/ATLAS-BrazilChannel.html

Imagens: ATLAS Experiment © 2012 CERN