No dia 2 de outubro de 2014, o Adote um Cientista recebeu o pesquisador Milton Ávila, doutorando na área de Neurociências, na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP – USP). Em uma tarde na qual integração foi a palavra-chave, Milton buscou aproximar os alunos participantes do programa da complexa resposta à pergunta: como percebemos o mundo?

Biólogo de formação, Milton conta que terminou sua graduação descontente com a ciência. “Terrível, falar isso na Casa da Ciência”, brincou ele. “Mas, enfim, eu tive um motivo. Eu tive essa experiência ao ver que nem tudo o que se faz na ciência é o que se diz sobre a ciência. E isso é muito importante, ao entrarmos na área da pesquisa: saber que vamos nos deparar com coisas que não são tão lindas assim”. Como consequência desse descontentamento, ele conta que passou a se embrenhar para o que alguns consideram ser o lado oposto da ciência, a arte, tendo passado pelo teatro, pela dança e pela música. “Por que, afinal de contas, a arte não exige que você tenha aquele rigor, aquela rigidez que a ciência exige, certo? Mentira. No final das contas, eu percebi que o que estava fazendo, apesar de muito legal e divertido, me fazia querer buscar, exatamente, a ciência. (…) Pensando sobre isso, eu me perguntei: então por que eu não vou procurar o que a ciência tem a dizer sobre a arte? E foi aí que eu encontrei o que se tornou, talvez, o mais interessante para mim hoje”. E entender o que acontece quando estamos dançando, cantando, ou interpretando, ou mesmo assistindo às apresentações, foi o foco da apresentação de Milton: mais um encontro da Ciência com a Arte na Casa!

Milton projetou uma circunferência contendo duas elipses pequenas em seu interior. “O que é isso?”, ele perguntou aos alunos. Focinho de porco. Tomada. Botão. Foram diversas as respostas. Segundo ele, não importa. Se ficassem ali por horas, as respostas seriam inúmeras e cada vez mais variadas. O que importa disso é que cada um percebe uma coisa. E os cientistas estão começando a entender como e porque isso acontece.

 

O mundo nas nossas mãos?

O pesquisador propôs, então, mais uma brincadeira com os alunos. Pediu que, em dupla, eles fizessem pequenas bolinhas de papel. Um dos integrantes da dupla fecharia os olhos e o outro iria realizar alguns experimentos simples. Primeiramente, colocar as duas bolinhas na palma da mão e conduzir dois dedos da pessoa com olhos fechados de forma que ela tocasse as bolinhas. “Quantas bolinhas têm aqui?”. Duas, responderam os alunos de olhos fechados. Em um segundo momento, ele orientou que colocassem apenas uma bolinha de papel. “Quantas?”. “Uma”, foi a resposta geral, embora alguns tivessem discordado. Em um momento final, Milton pediu para que os alunos de olhos fechados cruzassem os dedos e passassem-nos, novamente, sobre a mão do colega. “Quantas bolinhas têm aqui?”. Uma. Duas. Quatro. As respostas foram diversas.

 

Milton: Por que a pessoa achou que tinha duas quando tinha uma?
Aluna: Eu imagino que algumas pessoas tenham sensibilidade maior do que outras.
Milton: Você tem toda razão ao dizer isso, mas isso não explica a pessoa achar que tinha um número diferente de bolinhas do que realmente tinha quando seus dedos estavam cruzados.

 

Para explicar o ocorrido, Milton falou sobre como a percepção pode se dar através do tato. Essa percepção ocorre graças aos neurônios, que são células cuja função é transmitir informação de uma região a outra do organismo. Para isso, os neurônios utilizam sensores que vão sentir o estímulo e enviá-lo para outras regiões, como o cérebro. Outra dinâmica simples proposta pelo pesquisador precisou apenas de uma caneta. Uma das pessoas deveria tocar a caneta em dois pontos do braço da outra, que estaria de olhos fechados. Quanto mais próximos os pontos de contato, mais provável que a pessoa de olhos fechados dizesse que a caneta tocou em apenas uma área de seu braço. Isso acontece porque campos receptivos, que são regiões da pele sensíveis ao toque, são percebidos por apenas um neurônio nessa região da pele. Se tocarmos a caneta em regiões muito próximas, podemos estar estimulando um mesmo campo receptivo, ou seja, um mesmo neurônio, o que faz com que o toque pareça ter sido no mesmo local.  A mão é uma região do nosso corpo com elevado número de terminações nervosas e, por isso mesmo, é capaz de distinguir objetos de forma bastante acurada e fina. Isso contribui para que, ao cruzarmos os dedos e passá-los por uma bolinha de papel, possamos ter a sensação de que há mais bolinhas ali. Milton explicou, então, que as terminações nervosas do tato chegam à região somatossensorial, no córtex cerebral, que se organiza de forma a representar nosso corpo como se fosse um mapa sensorial. Se desenhássemos um ser humano a partir dessa representação das terminações nervosas na região somatossensorial, teríamos um animal de mãos enormes e boca grande.

 

A integração dos nossos sentidos

O aparelho auditivo é responsável por receber diferentes frequências de som que são percebidas pela nossa audição. Já a fala é controlada pelo centro da fala no córtex, na região esquerda do cérebro. A visão, por sua vez, possui uma projeção invertida em nosso cérebro: se o estímulo visual está à direita, ele será reproduzido na área visual esquerda, que se encontra na região posterior do córtex cerebral. “Mas e quando vemos algo na região esquerda? Se ela será reproduzida na região direita do cérebro, como podemos falar sobre isso se a região da fala se encontra no hemisfério esquerdo?”. É aí que entram estruturas como o corpo caloso, conjunto de ligações que integra os dois hemisférios.

Integração é a palavra-chave para compreender melhor a forma como compreendemos o mundo ao nosso redor. E nosso cérebro possui várias áreas de associação. “Por exemplo, imaginem se eu pegar uma bolinha e lançá-la. Vocês conseguem reproduzir para mim o som que essa bolinha faria?” (alunos reproduzem o som de um objeto descrevendo uma trajetória de lançamento) “Vocês percebem que o som que vocês todos fizeram é o mesmo. Mas a bolinha não fez barulho algum. Por que isso?”. Essa integração entre nossos sentidos e entre diversas regiões do cérebro é bastante complexa. Por exemplo, um mesmo som pode parecer diferente ao escutarmos de olhos fechados e ao escutarmos de olhos abertos.

 

Aluno: Quando uma pessoa está falando com a gente e a gente observa os movimentos da boca da pessoa, isso pode influenciar no que a gente ouve?
Milton: Totalmente. Imagine uma situação: todos dessa sala começam a falar ao mesmo tempo e você presta atenção em apenas uma pessoa, fixando seu olhar nela. Geralmente, você vai conseguir entender o que essa pessoa falou. Isso é o que chamamos de “A Festa do Coquetel”. Mesmo no barulho, mesmo numa festa, se você está ouvindo aquele monte de gente falando, você consegue conversar com alguém porque você está observando aquela pessoa falar. Com a leitura labial, você consegue distinguir aquele som.

 

Embora os sentidos se integrem, nós tendemos a “confiar” mais naquele sentido que é mais refinado. No caso do ser humano, a visão exerce um papel bastante importante nessa integração, mas isso varia de animal para animal.

 

Aluno: Bom, então, quando está escuro, o que falam é verdade: que escutamos melhor do que quando a luz está acesa?
Milton: Essa é uma boa pergunta. O que acontece, quando está escuro, é que a informação visual não existe. E uma coisa que interfere muito na sua percepção é a atenção. E se você desloca sua atenção para outra coisa, então isso vai afetar a forma como você percebe o resto.
Aluno: Por exemplo, eu estou no meu quarto dormindo e cai alguma coisa. Eu vou assustar por causa do barulho, e minha audição vai estar destacando mais do que a visão que, como você disse, não existe. Quão diferente seria a minha reação se eu estivesse vendo também?
Milton: Eu quem pergunto: o que aconteceria de diferente se você estivesse vendo? Se você estivesse vendo alguma coisa caindo no chão, você não se assustaria no momento em que ela cai, porque você viu acontecer (…). A informação visual é bastante importante para te deixar seguro. Hoje em dia, talvez menos. Mas se você imaginar o contexto de milhares de anos atrás, ela é bastante importante.

 

O anel fantasma

Para mostrar um pouco mais sobre o poder dessa integração, Milton passou um vídeo de um experimento bastante interessante, chamado de “Ilusão da Mão de Borracha”:

 

 (o vídeo foi exibido até 1min45s)

 

Segundo o pesquisador, nosso cérebro utiliza as informações disponíveis e age a partir disso. No caso do vídeo exibido, o experimentador (ou ilusionista, dependendo do seu ponto de vista) enganou a percepção da voluntária ao utilizar estímulo sensorial (tato) e visual (visão), para convencê-la de que a mão de borracha era, na verdade, a sua própria. Por isso mesmo, ao retirar o martelo e golpear a mão de borracha, a mulher assustou-se, acreditando que, na verdade, a mão golpeada era a sua.

 

Aluno: Se fizéssemos essa mesma experiência do vídeo e a pessoa fosse cega… Isso poderia acontecer caso eles comentassem que estavam fazendo a mesma coisa com a mão de borracha, ela ia ouvir o barulho e também se assustar?
Milton: Sim, ela assustaria, com certeza. Mas é mais difícil de ela ter a sensação de que aquela mão é dela. Porque, na situação do vídeo, o que acontece, é que nós usamos a informação com a qual estamos acostumados e somamos a informação visual com a do tato (…). No caso do cego, nós conseguiríamos fazer algumas ilusões, mas necessariamente sem a visão. Mas isso é interessante, com certeza ele assustaria também!

 

Aluna: Por que a pessoa que tem a mania de usar anel, quando ela está sem o anel, ela sente aquilo lá?
Aluno: Ou os óculos.
Milton: Isso é muito interessante. Posso ir para um lugar mais complicado? Já ouviram falar de quando ocorre um acidente e a pessoa perde um membro. Já ouviram falar disso?
Alunos: Membro fantasma!
Milton: A pessoa perde o membro e ela continua sentindo aquele membro. Esse vídeo da ilusão da mão de borracha, inclusive, é uma forma de tratamento do membro fantasma. Outra forma de isso acontecer é colocar uma pessoa na frente de um espelho. Ela vê, no espelho, o braço esquerdo, sendo que perdeu o direito, e o braço esquerdo refletido no braço direito e ela vê os dois braços. E isso alivia a dor (…). Quando acontece isso, se perde um braço, mas não se perdem as terminações nervosas que levam àquele braço. E a sua visão incongruente com aquilo vai trazendo uma resposta automática do seu cérebro, do seu sistema motor. Em relação ao anel, você sente aquilo porque seu cérebro se acostumou com o anel ali. E se você tem, por exemplo, algo incômodo, como o aparelho dentário, você coloca o aparelho e parece que tem um caminhão na sua boca. Mas, depois de um tempo, você nem sente mais ele ali, porque, também, seu cérebro se acostuma com aquilo.

 

Arte e ciência também se integram

Essa integração entre os sentidos está muito associada com o que a arte faz. Algumas pinturas utilizam elementos da imagem para evocar diversas sensações no observador. Até mesmo imagens que provocam ilusão, como um desenho de um coelho que, depois de algum tempo sendo observada, parece se transformar, magicamente, em um desenho de um pato. O cinema, por exemplo, integra elementos tais como imagem e som: em uma cena de aventura, será inserida uma trilha sonora agitada e que gere tensão, casando com a sensação que o filme quer trazer ao espectador – seria no mínimo curioso, por exemplo, se uma cena de ação fosse embalada por uma canção de ninar. Outro aspecto é em relação a aprendizes de músico: sabe-se que se você observar uma pessoa tocando violão, por exemplo, isso irá facilitar que você aprenda a tocar esse instrumento, mesmo que a produção seja, essencialmente, sonora.

 

Aluno: Essa questão que você disse que vendo você pode aprender algo melhor… Em relação à pessoa que faz aula de dança e aquilo que se fala de que treinar em frente ao espelho pode melhor seu desempenho, então, é correto?
Milton: É totalmente correto. Se você treinar em frente ao espelho, você vê o movimento que está acontecendo (…).

 

Nesse caso, Milton falou um pouco mais sobre regiões do nosso córtex que respondem quando observamos algum movimento. Por exemplo, quando observamos um dançarino realizando os movimentos de sua dança, são ativados neurônios em nosso cérebro que também seriam ativados se estivéssemos fazendo aqueles mesmos movimentos – os neurônios-espelho. Isso explica, por exemplo, porque um dançarino profissional, exausto após oito horas de treino intenso, pode continuar praticando sua arte em casa: seja imaginando os movimentos que terá que fazer, seja assistindo a vídeos daquela dança. Isso ativa regiões do cérebro que serão ativadas também durante a dança, sendo um ótimo treinamento. Para o músico, por exemplo, que quer aprender a tocar um instrumento, embora sua audição seja essencial, ele também precisa utilizar os movimentos das mãos, por exemplo, para produzir o som. E observando outro músico tocar pode facilitar que o aprendiz domine esses movimentos mais rapidamente.
Nariz de porco. Tomada. Botão. Apesar de percebermos aquilo que está à nossa volta, isso não é tudo. Porque nós percebemos aquilo que nosso cérebro quer que percebamos. E isso depende de muitas coisas, inclusive de nossas experiências pessoais. Afinal, se um mero desenho de um círculo com duas elipses dentro pode evocar tantas interpretações distintas, imagine o resto do mundo. Por isso mesmo, nas palavras do neurocientista Milton Ávila, algumas coisas não são fáceis de explicar.


Espaço dos alunos

A partir da análise das filipetas do encontro, a equipe da Casa da Ciência produziu este infográfico destacando as principais dúvidas manifestadas pelos alunos e os principais conceitos aprendidos no encontro. A finalidade deste instrumento é a avaliação dos momentos de aprendizagem do aluno e valorização da sua dúvida.

  


Texto

Autoria: Vinicius Anelli

Revisão: Profa. Dra. Marisa Ramos Barbieri e Gisele Oliveira

 

Espaço dos alunos

Análise de filipetas: Luciana Silva

Infográfico: Gisele Oliveira

 

Diagramação

Vinicius Anelli