A Dra. Ernna Oliveira faz parte do grupo de Imunogenética Molecular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP). Lá, estuda doenças autoimunes, como um dos tipos de diabetes, no qual o próprio organismo ataca as células produtoras de insulina. A pesquisadora explicou que, apesar de ser essa sua linha de pesquisa, para conduzi-la ela utiliza bactérias como ferramenta.

Ernna destacou que, de fato, é bastante comum que, ao falarmos sobre bactérias, pensemos apenas nos aspectos ruins envolvidos. É verdade que algumas bactérias causam doenças em seres humanos e em outros organismos. Mas isso não se aplica à maioria. As bactérias são os organismos mais antigos viventes no planeta e, apesar de sua organização estrutural simples, são o maior exemplo de sucesso ecológico que temos, uma vez que podem ser encontrados em abundância ao redor de todo o globo terrestre, inclusive em regiões de condições extremas: é o caso dos extremófilos, que vivem em ambientes cujas condições são bastante inóspitas para o ser humano – como, por exemplo, em águas termais de elevadas temperaturas.

 

Um mundo diminuto, de gigantesco sucesso

O grupo das bactérias é ancestral de todos os outros grupos do planeta. Isso significa que as bactérias existem desde muito antes dos protistas, plantas, animais e fungos. Além disso, foi a partir de uma linhagem de bactérias que a vida se diversificou, de tal forma que uma variedade gigantesca pode ser observada atualmente, seja na natureza, seja no registro fóssil. Apesar disso, as bactérias são seres unicelulares e microscópicos, não sendo visíveis a olho nu. 
Para observar e estudá-las, é preciso fazer uso de microscopia ou de culturas de bactérias. Uma cultura de bactérias consiste em um meio no qual uma amostra é inoculada. Nesse meio, nutrientes e condições necessárias são disponibilizadas, de forma que as bactérias irão se multiplicar, formando colônias. As colônias, dada a tendência dos novos indivíduos de se agruparem, podem, por sua vez, ser vistas sem a ajuda de microscópio, facilitando os estudos envolvendo esses seres.
Existem diversos tipos morfológicos de bactérias, dentre eles os cocos, bacilos, vibriões e espirilos. Ernna partiu de um bacilo para explicar a morfologia básica de uma bactéria (lembrando que, na biologia, não podemos generalizar; mas podemos utilizar modelos!). Um bacilo é uma única célula envolta por uma parede celular; delimitando a célula, temos a membrana plasmática. O flagelo e os pilli são estruturas que se projetam a partir da membrana em direção ao exterior da célula. O flagelo está envolvido com o movimento das bactérias, enquanto os pilli estão envolvidos tanto com a patogenicidade das bactérias quanto com a reprodução. No interior celular, são encontrados os ribossomos, organelas responsáveis pela síntese de proteínas, e o material genético – que armazena todas as informações que irão ditar o funcionamento da célula. Nas bactérias, há uma porção de DNA circular, chamada de plasmídeo, e o material genético. Bactérias são seres procariontes e uma característica importante desse grupo celular é a ausência de um núcleo organizado – ou seja, o material genético fica disperso no citoplasma.

Bactérias que nos habitam
Apesar dessa simplicidade estrutural, as bactérias podem ser encontradas nos mais variados meios – inclusive dentro do nosso organismo! Ernna falou sobre a microbiota que existe dentro de nós, em especial aquela encontrada na flora intestinal (também chamada de “flora amiga”), de tal forma que o número de bactérias que nos coloniza chega a ser muito superior ao número de células que constitui nosso corpo. Mas isso não é prejudicial para nosso organismo? Muito pelo contrário. Essas bactérias vivem em uma relação de simbiose com nossas células, de tal forma que ambos os lados se beneficiam. Para as bactérias, oferecemos nutrientes e um ambiente adequado para sua sobrevivência; no caso das bactérias, elas atuam na defesa do nosso organismo, no processo digestivo e, inclusive, na produção de vitaminas. E isso não é exclusivo do ser humano – os animais ruminantes, por exemplo, que são herbívoros, possuem bactérias simbiontes responsáveis por digerir a celulose que compõe a parede celular das células vegetais.
Ernna, que também orienta um grupo de alunos no programa Pequeno Cientista (leia mais sobre o programa aqui), contou que os alunos tiveram a chance de cultivar bactérias retiradas da mão, da cavidade nasal, encontradas no banheiro e também em uma moeda de cinco centavos. O grupo ficou surpreso ao verificar que a moeda era a que continha menos bactérias, enquanto que a cavidade nasal foi o ambiente em que se verificou maior diversidade e quantidade, confirmando que esses seres microscópicos habitam diversas regiões do nosso corpo.

Aluno: Essas bactérias que protegem nosso corpo permitem que as outras entrem no organismo?
Ernna: Sim, porque as bactérias invasoras possuem mecanismos que acabam matando essas bactérias do nosso corpo. Além disso, nem toda bactéria que já está ali vai atuar na defesa contra patógenos.

Além disso, as bactérias nos trazem muitos outros benefícios. Na indústria alimentícia, por exemplo, são utilizadas para realçar sabor, agregar textura, cor e consistência e até elevar a quantidade de vitaminas do alimento produzido. É amplamente sabido que são utilizadas na produção de alimentos derivados do leite, fermentação de pães e bolos, e até mesmo na produção da cerveja.

De amigos a patógenos
Os produtos derivados do metabolismo das bactérias podem auxiliar na produção de alimento. Apesar disso, algumas linhagens de bactérias podem produzir toxinas que podem atacar e prejudicar as células do nosso corpo. Essas são as bactérias que atuam como patógenos e que estão envolvidas em algumas doenças.
Ernna trouxe aos alunos algumas das doenças que acometeram a população humana ao longo da história e que contribuíram para a construção de uma imagem nociva das bactérias como grandes vilãs da natureza. A peste bubônica (ou peste negra), por exemplo, é uma doença transmitida pela pulga do rato e causada por uma bactéria. Matou milhões de pessoas na Europa, durante a Idade Média, espalhando o medo em uma sociedade que não havia sequer descoberto a existência de seres invisíveis a olho nu. Obviamente, não havia cura, à época, para a doença. A tuberculose também foi a causa de muitas mortes ao longo da história e, mesmo hoje, com a existência de vacinas, ainda é considerada uma enfermidade bastante perigosa, transmitida através da tosse ou do espirro de pessoas infectadas.
Apesar disso, muito se sabe hoje sobre as bactérias e sobre as doenças que elas causam. Grandes avanços foram obtidos, e hoje há diversos tratamentos e profilaxias, diminuindo as chances do surgimento de novas epidemias. Um dos grandes avanços da medicina deveu-se a uma bactéria chamada Staphylococcus aureus, uma bactéria que é encontrada na pele e nas fossas nasais das pessoas saudáveis, embora seja capaz de causar infecções que podem variar de brandas a graves, especialmente quando a pessoa está com feridas e ferimentos no corpo. Alexander Fleming, um farmacologista e biólogo escocês, tendo voltado da guerra, havia notado que pacientes com ferimentos de guerra estavam suscetíveis a infecções. Estudando o Staphylococcus aureus, em laboratório, descobriu que um fungo, o Penicillium notatum, produzia uma toxina capaz de impedir o crescimento das bactérias. Essa toxina foi o primeiro antibiótico que veio a ser descoberto, a penicilina – algo que garantiu a Fleming o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, junto com outros dois pesquisadores, em 1945.

Aluno: Algumas bactérias são sensíveis, por exemplo, à luz ultravioleta. Se usássemos a luz ultravioleta como tratamento para essas bactérias, isso poderia gerar bactérias resistentes à ultravioleta?
Ernna: Então, você coloca isso como alternativa ao antibiótico. Mas, por exemplo, um paciente com dor de garganta, ao invés de antibiótico, seria tratado com um banho de luz UV. O problema, é que essa luz UV é altamente mutagênica para o ser humano… a própria luz do sol pode levar ao câncer de pele. No laboratório, para garantir que o ambiente está sem bactérias, a gente utiliza, sim UV. Mas isso é feito sem ter qualquer contato humano durante a incidência. Como tratamento, seria bastante prejudicial ao paciente, e não apenas à bactéria.

Ernna também explicou que, hoje em dia, existem diversos tipos de antibióticos utilizados como tratamento para as mais diversas infecções bacterianas. Ela contou que antibiograma é o nome do exame utilizado para se determinar qual o melhor tratamento a ser adotado. No antibiograma, em uma cultura das bactérias que infectaram o paciente são inseridos diversos tipos de antibiótico. A presença desses antibióticos, quando eles são eficientes em matar as bactérias e impedir seu crescimento, causa o surgimento de diversos halos de lise bacteriana (onde é visível o efeito do antibiótico sobre o crescimento das bactérias). A partir da análise desses anéis, é possível identificar qual o medicamento mais recomendado para a linhagem bacteriana específica, determinando quais serão os passos tomados para o tratamento.

Engenharia genética

Inicialmente, Ernna contou que, em sua pesquisa, ela não estuda as bactérias especificamente, mas as utiliza como ferramenta para compreender outros processos e mecanismos.
Após os avanços na biologia molecular, que permitiram, dentre outras coisas, uma melhor compreensão acerca dos mecanismos envolvidos nos processos de duplicação, tradução e transcrição do DNA, veio o advento da Engenharia Genética, uma área do conhecimento que busca manipular aspectos genéticos dos organismos, a fim de trazer benefícios, tais como o tratamento de doenças e o melhoramento de características. Ernna trouxe alguns exemplos de como a engenharia genética é utilizada a favor do ser humano, através da manipulação das bactérias como ferramenta nessa engenharia. 
Ela contou que para a produção de insulina, que é utilizada por pacientes com diabetes, é possível fazê-lo inserindo o gene humano responsável pela produção desse hormônio em pacientes normais no plasmídeo (o DNA circular) das bactérias. Ao fazê-lo a bactéria (geralmente, a Escherichia coli) que recebeu esse plasmídeo combinado (também chamado de material recombinante, uma vez que combina genes da própria bactéria – que já estavam no plasmídeo – com genes de uma outra espécie, no caso a humana – que foram inseridas no plasmídeo).
Essa exemplificação trouxe à tona, ao fim do encontro, a discussão sobre os transgênicos. A pesquisadora contou aos alunos como o milho Bt, uma linhagem de milho transgênico bastante corriqueira em nosso cotidiano, é produzida. O milho Bt é uma alternativa biotecnológica ao uso de inseticidas no controle de pragas. Essa tecnologia parte do conhecimento de que uma bactéria, a Bacillus thuringiensis, produz (naturalmente!) uma toxina que é bastante nociva às pragas que atacam plantações de milho. Com o advento da biotecnologia, pesquisadores isolaram o gene responsável pela produção dessa toxina e inseriram esse gene no material genético da planta, que, uma vez expresso, passou a produzir essa toxina.

Aluno: É possível que, para uma pessoa que não pode comer milho, se produza um milho modificado e essa pessoa possa vir a comê-lo?
Ernna: Sim, isso é possível. Por exemplo, uma pessoa alérgica ao milho não pode comê-lo devido a alguma toxina que a planta produz. Pode-se pensar em construir um milho que não venha a produzir essa toxina, através da engenharia genética. Sim, isso seria possível. Algo parecido é feito, por exemplo, com bactérias que eu utilizo no laboratório. Se eu estou trabalhando e entro em contato com alguma delas, será que me fará mal? Não, porque essas bactérias tiveram genes relacionados à patogenicidade desativados ou mesmo ocorreu uma seleção para que apenas linhagens não patogênicas fossem utilizadas. A ideia, aqui, é a mesma.

Uma manifestação interessante ocorreu no momento em que um dos alunos questionou se, ao fazer esse tipo de manipulação, isso não poderia acarretar em efeitos nocivos à saúde humana. Ernna defendeu a tecnologia, afirmando que antes de ser lançada ao consumo da população, os alimentos transgênicos passam por diversos testes e estudos para determinar se são prejudiciais ao homem. Porém, também foi levantado, durante a discussão, que não é possível se dizer ao certo quais os efeitos a longo prazo do consumo de transgênicos e, por isso mesmo, deve-se ser bastante cauteloso com relação a isso. A pesquisadora destacou que essa é uma polêmica que divide, inclusive, os cientistas, e, por ser recente, é cedo para se dizer ao certo quais os efeitos em grande escala do uso de transgênicos.

Um mundo de possibilidades
Neste encontro, a intenção da pesquisadora foi de trazer aos alunos do Adote um pouco mais sobre esse gigantesco mundo de diversidade das bactérias. Muitas vezes tidas como as vilãs da história (o que foi fomentado por diversas doenças e epidemias que trouxeram muito medo à nossa espécie ao longo da história), elas também podem ser bastante benéficas para o homem. Seja em nosso próprio organismo, como na microbiota intestinal, em uma relação de simbiose, seja como ferramenta em tecnologias que podem melhorar a qualidade de vida do ser humano. 
Além disso, as bactérias são os organismos viventes mais antigos do planeta e, apesar de sua simplicidade funcional, são encontrados nos mais diversos ambientes, utilizando estratégias que chegam a impressionar, demonstrando imenso sucesso evolutivo e ecológico. Ainda há muito a ser descoberto no mundo microscópico das bactérias. E daí a importância em dar continuidade a estudos com esses diminutos seres vivos.


Espaço dos alunos

A partir da análise das filipetas do encontro, a equipe da Casa da Ciência produziu este infográfico destacando as principais dúvidas manifestadas pelos alunos e os principais conceitos aprendidos no encontro. A finalidade deste instrumento é a avaliação dos momentos de aprendizagem do aluno e valorização da sua dúvida.


Texto

Autoria: Vinicius Anelli

Revisão: Profa. Dra. Marisa Barbieri, Alice Okabayashi e Fernando Trigo

Espaço dos alunos

Análise de filipetas: Luciana Silva

Infográfico: Vinicius Anelli

 

Diagramação

Vinicius Anelli