A diversidade de formas na natureza é impressionante.

Pense em um ser unicelular. Em uma planta. Pense em um fungo e também em um animal qualquer. Quais são as semelhanças entre esses grupos? E as diferenças? A forma varia muito entre os seres vivos, não é mesmo?

Mesmo dentro de uma mesma espécie. Qualquer que seja a espécie que você escolher, os indivíduos dessa espécie têm características diferentes entre si. Há, é claro, muitas semelhanças. A forma de um coelho, por exemplo, é comum a todos os coelhos – mas alguns detalhes podem variar.

A variação é uma característica inerente a uma população (um conjunto de indivíduos de uma mesma espécie, que coexistem em um mesmo espaço e tempo). Apesar disso, mesmo com as ressalvas da variação interespecífica, ao pensarmos em uma espécie, pensamos em uma forma característica. Como é possível tamanha variedade de formas?

Isso se torna ainda mais curioso se nos lembrarmos que a vida como a conhecemos atualmente não é a mesma que habitava o planeta milhões de anos atrás. Por aqui já viveram outras espécies, outras formas, outros habitantes. E se voltarmos muitos e muitos milhões de anos, lá no início da vida, nós poderíamos encontrar o ancestral comum a todos os seres vivos que surgiram posteriormente.

 

É na evolução biológica que reside a explicação para tanta diversidade.

Evolução, em linhas gerais, é a transformação pela qual as espécies passam ao longo do tempo, possibilitando o surgimento e o desaparecimento de diferentes formas. É um processo demorado, que leva muitas e muitas gerações, e que acontece nas populações e não nos indivíduos. Note que um indivíduo não evolui. Mas a população sim.

O meio atua diretamente nesse processo. Por exemplo, um indivíduo pode ter mais ou menos chances de sobreviver, em relação a outros indivíduos da população, de acordo com as características (ou seja, os componentes de sua forma) e com o contexto ambiental. Isso significa que um indivíduo pode ter características que lhe confiram mais chance de sobreviver e se reproduzir, passando para as gerações futuras as características que estão gravadas em seus genes.

Uma zebra que é mais veloz que as outras zebras de seu grupo, ou seja, que possui estruturas associadas a locomoção que lhe conferem maior velocidade, tem mais chance de escapar de um predador. Isso significa que ela tem mais chance de sobreviver e passar essas caraterísticas aos descendentes. Nesse caso, o ambiente atua como um seletor de variação existente, através da seleção natural – fugir do predador (pressão seletiva) garante a sobrevivência (e, consequentemente, reprodução e transmissão dos genes aos descendentes), e a fuga é mais provável para o animal mais rápido (ou seja, cujas estruturas favorecem uma corrida melhor, em comparação com as de outros indivíduos da espécie).

Por outro lado, o ambiente também induz a variação. Por exemplo, uma planta pode apresentar características diferentes de outra da mesma espécie, se uma delas crescer na sombra e outra ao sol. Aqui, a variação em uma mesma espécie é induzida pelas condições ambientais durante o desenvolvimento do organismo.

 

Nas últimas décadas, um número crescente de estudos têm investigado como as modificações da forma, o surgimento e o desaparecimento de novas estruturas e o estabelecimento da diversidade morfológica acontece, a partir do que pode ser observado no desenvolvimento dos organismos.

O desenvolvimento consiste no conjunto de mecanismos que ocorrem desde a fecundação até a morte, e que estão associados ao crescimento e a maturação dos seres vivos (também chamado de ontogenia). O desenvolvimento embrionário, por exemplo, é aquele que acontece com o embrião antes do nascimento – seja o embrião humano na barriga da mãe, seja o embrião de uma ave no ovo, antes da eclosão. Mesmo após nascer, o indivíduo ainda cresce e suas estruturas vão se desenvolvendo, como por exemplo o crânio e cérebro dos seres humanos, que ainda se desenvolve bastante mesmo, após o nascimento.

Evo-devo (evolutionary development, do inglês, “evolução do desenvolvimento”) é o campo da biologia que integra genética, desenvolvimento e evolução para investigar o que o desenvolvimento de um organismo pode dizer sobre a evolução da forma específica daquela linhagem.

Três momentos da ontogenia de diferentes vertebrados (esq. para dir.: peixe, anfíbio, tartaruga e ave).
Três momentos da ontogenia de diferentes vertebrados (esq. para dir.: peixe, anfíbio, tartaruga e ave). Note como, nas fases iniciais do desenvolvimento embrionário, esses animais são irreconhecíveis e parecidos entre si.

Isso é possível porque o desenvolvimento revela o parentesco entre diferentes espécies. É o caso dos vertebrados, por exemplo. Nas primeiras semanas do desenvolvimento, os embriões de diferentes vertebrados (tartaruga, pássaro, camaleão, macaco, tubarão e perereca, por exemplo) são praticamente indistinguíveis no que concerne a sua forma. Com o passar do tempo, e conforme o desenvolvimento embrionário avança e se aproxima do nascimento, os diversos processos e mecanismos que fazem parte do desenvolvimento do organismo vão conferindo àquele amontoado de células uma forma mais característica, de maneira que prestes a nascer, esses animais se distinguem melhor uns dos outros e lembram mais a forma da espécie em questão.

 

As características de um indivíduo estão impressas em seu genoma, ou seja, no conjunto de genes guardados no núcleo de suas células. É através do desenvolvimento que diferentes genes são ativados e desativados, em momentos e locais determinados, conferindo as características que compõem o organismo como um todo. Esses mecanismos são capazes de recapitular as transformações pelos quais as formas ancestrais passaram para chegar na forma atual daquela espécie.

Filogenia dos animais vertebrados, mostrando o parentesco entre os diferentes grupos. Retirado de ucl.ac.uk/museums-static/ (adaptado de Meyer e Zadoya, 2003).
Filogenia dos animais vertebrados, mostrando o parentesco entre os diferentes grupos. Os ramos terminais são alguns dos grupos viventes; os nós representam um ancestral comum. Retirado de ucl.ac.uk/museums-static/ (adaptado de Meyer e Zadoya, 2003).

Um exemplo é o das brânquias nos vertebrados. Peixes e outros animais aquáticos apresentam brânquias, uma estrutura associada à respiração na água. Animais terrestres, como a maioria dos “répteis” e mamíferos possuem respiração aérea. Apesar disso, nas primeiras semanas de desenvolvimento, o embrião desses animais desenvolvem arcos branquiais, semelhantes aos que se desenvolvem nos animais aquáticos, como peixes e anfíbios. Quando adulto, os animais terrestres não apresentam brânquias e os arcos branquiais se desenvolvem em outras estruturas associadas a outras funções do organismo. Esse é um exemplo de como o desenvolvimento é capaz de evocar a história evolutiva de uma linhagem – hoje se sabe que os tetrápodes (mamíferos, aves, “répteis” e anfíbios) têm como ancestral um peixe de nadadeiras lobadas.

 

É através da evo-devo, portanto, que os pesquisadores conseguem responder como novas formas surgem ao longo da evolução, como novas estruturas se modificam, desaparecem ou mesmo aparecem em diferentes linhagem e também quais as bases genéticas para a evolução da diversidade.

Analisando os diferentes processos que ocorrem durante a ontogenia, inclusive a ativação e desativação de mecanismos, surgimento e modificação de estruturas (como os arcos branquiais), é possível recapitular o histórico de transformações pelo qual aquela linhagem passou para chegar à forma atual.

Note que, para o olhar da evo-devo, os estudos focam nos processos e mecanismos que fazem parte do desenvolvimento dos indivíduos e como esses mecanismos revelam a história evolutiva do grupo em questão, associando-se, então, as transformações da forma com o ambiente no qual aquela determinada espécie se insere.

 

escrito por Vinicius Anelli

(este texto foi baseado na palestra do Adote um Cientista, ministrada em 03 de março de 2016 pela Profa. Dra. Tiana Kohlsdorf. Confira o Adote em Pauta da palestra aqui)