É possível estudar a doença de Parkinson em animais em laboratório?

       É totalmente possível estudar diversos aspectos da doença de Parkinson em animais de laboratório e isso é feito desde a década de 60. Quando cientistas utilizam ratos, camundongos ou algum outro animal de laboratório para estudar a doença de Parkinson, estão utilizando um “modelo animal da doença de Parkinson”.

       Por se tratar de um “modelo”, é importante destacar que um rato parkinsoniano de laboratório não é idêntico a um ser humano portador da doença de Parkinson. Apesar dos cérebros de ratos e de seres humanos apresentarem diferenças visíveis a olho nu, existem várias semelhanças a nível neuronal.

Cérebros do rato, gato, macaco e homem

       Algumas semelhanças morfológicas entre neurônios do córtex de um ser humano (esquerda) e de um camundongo (direita).

Neurônios do córtex do homem de um camundongo

Noções básicas de anatomia

       O primeiro passo para estudar o cérebro em laboratório é aprender alguns termos técnicos de anatomia e identificar os planos anatômicos. Dorsal, ventral, rostral e caudal são termos muito comuns em anatomia. A região dorsal (ou superior) do cérebro está orientada para onde nasce nosso cabelo. A região ventral (ou inferior) está orientada na direção do nosso queixo.

       A região rostral (ou anterior) está próxima aos nossos olhos e a região caudal (ou posterior) aproxima-se de nossa nuca. Além disso, existem planos anatômicos importantes. O plano sagital (ou mediano) divide o cérebro entre os lados direito e esquerdo. O plano frontal (ou coronal) divide o cérebro entre rostral e caudal e o plano transversal (ou horizontal) divide o cérebro em porções dorsal e ventral. Veremos mais adiante porque esses termos são importante para o estuda da doença de Parkinson em animais de laboratório.

Figura ilustrando três planos anatômicos.

A doença de Parkinson

       A doença de Parkinson é um distúrbio degenerativo que afeta principalmente o controle motor. Os movimentos são prejudicados por causa da degeneração (morte) de neurônios dopaminérgicos (aqueles que produzem dopamina) localizados em uma estrutura do sistema nervoso central denominada substância negra compacta.

 

Corte transversal do cérebro (“visto de cima”) destacando onde está localizada a substância negra compacta.

Como o próprio nome já diz, a substância negra compacta é uma região escura e é possível perceber que essa região fica mais clara em indivíduos portadores da doença de Parkinson. Essa perda de coloração da substância negra compacta é consequência da morte das células dopaminérgicas presentes nessa estrutura. Apesar dos avanços científicos, a causa desta doença ainda é incerta. Fatores genéticos, ambientais (agrotóxicos ou pesticidas, por exemplo) ou o próprio envelhecimento podem estar relacionado com o surgimento dessa doença. A degeneração dos neurônios dopaminérgicos da substância negra compacta é responsável pelo surgimento dos principais sintomas motores da doença de Parkinson: bradicinesia (lentidão de movimentos), rigidez, tremor de repouso e instabilidade postural.

 

 

 

 

Comparação entra a substância negra compacta em um indivíduo normal e um indivíduo portador da doença de Parkinson

Como induzir a doença de Parkinson em ratos de laboratório?

       Uma vez que os ratos de laboratório não desenvolvem doença de Parkinson espontaneamente, a indução dessa doença é feita de maneira experimental, através da realização de uma cirurgia para injetar uma toxina na substância negra compacta dos animais. Uma toxina muito utilizada em modelos animais da doença de Parkinson é a 6-hidroxidopamina (ou simplesmente 6-OHDA). Essa toxina irá induzir a morte dos neurônios que produzem dopamina na substância negra compacta e resultará no aparecimento de alguns sintomas motores característicos da doença de Parkinson. 

       A cirurgia recebe o nome de cirurgia estereotáxica e é uma forma de intervenção cirúrgica que usa um sistema de coordenadas para localizar pequenas estruturas no cérebro. Os animais de laboratório são anestesiados e posicionado no aparelho estereotáxico. É necessário realizar uma abertura no crânio do animal para permitir a passagem de uma pequena agulha.

Aparelho estereotáxico utilizado para realizar intervenções cirúrgicas no cérebro de pequenos roedores (ratos e camundongos).

Porque precisamos estudar anatomia para esse tipo de cirurgia?

       Como dito anteriormente, a toxina 6-OHDA não pode ser injetada em qualquer lugar do cérebro. Para produzir Parkinson experimental em ratos precisamos atingir a região onde está localizada a substância negra compacta. Essa não é uma tarefa simples pois o cérebro do rato possui centenas de estruturas e a substância negra compacta de um rato é muito pequena. Para isso, necessitamos da ajuda de um atlas com coordenadas específicas para localizar e atingir a região de interesse. Note que é mostrado um corte sagital (cérebro dividido entre lados direito e esquerdo) do cérebro do rato.

       Os números que aparecem nas bordas da figura são as coordenadas, em milímetros. Portanto, de acordo com esses números e com conhecimento de anatomia, é possível atingir a região de interesse.

Figura ilustrando as regiões do cérebro do rato. Note que cada sigla representa uma estrutura diferente. A estrela vermelha ilustra o local de injeção da toxina 6-OHDA.

Conclusões

       Em resumo, podemos induzir Parkinson experimental em ratos utilizando as ferramentas de cirurgia e anatomia mostradas acima. Vale lembrar que neurocientistas do mundo todo utilizam a cirurgia estereotáxica para estudar não só a doença de Parkinson, mas outras funções do cérebro como memória, emoções, sono, dentre outras.             Compreender como nosso cérebro funciona é difícil mas os cientistas têm feito grandes avanços na área de neurociência ao longo dos últimos anos.

Referência Bibliográfica:

Sammut S., Chakroborty S., Padovan-Neto F.E., Rosenkranz J.A., West A.R. (2017) Neurophysiological Approaches for In Vivo Neuropharmacology. In: Philippu A. (eds) In Vivo Neuropharmacology and Neurophysiology. Neuromethods, vol 121. Humana Press, New York, NY
Defelipe J. (2011) The evolution of the brain, the human nature of cortical circuits, and intellectual creativity. Frontiers in Neuroanatomy; 5:29.

Imagens:
University of Auckland Centre for Brain Research
De Felipe, 2011. Front Neuroanat; 5:29
Serendip Studio
SHEFFIELD NEUROGIRLS
Memorang
Atlas de Paxinos e Watson, 1998

Autor:
Fernando Eduardo Padovan Neto

ISSN 2446-7227

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