As terapias celulares apresentam diversas vantagens e representam uma possibilidade de cura para diversos pacientes acometidos por diferentes tipos de doenças, como é o caso da terapia com células T-CAR para pacientes com determinados tipos de leucemias, linfomas e mielomas. Entretanto, existem algumas limitações na aplicação destas terapias chamadas autólogas, ou seja, aquelas que utilizam células do paciente para tratar a si próprio (Figura 1). Isso porque, em muitos casos, há certa dificuldade de obtenção na quantidade de células necessárias para executar o procedimento terapêutico, ou ainda, células que estejam muito debilitadas para passarem pelo processo de modificação e retornarem ao paciente.

Figura 1: Processo do desenvolvimento da terapia autóloga com células T-CAR.

Sendo assim, as terapias alogênicas, nas quais são utilizadas células de um doador saudável para tratar um paciente são promissoras. Isso porque a ideia é coletar células de um doador que esteja bem de saúde, levar ao laboratório para serem modificadas de acordo com o tipo de terapia e utilizá-las para tratar um paciente. Apesar destas terapias também serem limitantes em alguns pontos, pelo fato de poderem causar rejeição por se tratar de células de indivíduos diferentes, há alternativas para contornar. Entre elas, pode-se utilizar ferramentas de edição gênica para silenciar moléculas responsáveis pelo reconhecimento e rejeição de organismos estranhos ou ainda utilização de células que são livres destas moléculas, como é o caso de células T gama delta, foco deste folhetim.
As células T gama delta (Figura 2 – amarelo) são uma subpopulação de linfócitos T que representam cerca de 1-10% das células T circulantes, por isso consideradas raras. Elas são células T, que pertencem ao sistema imune adaptativo, mas ao mesmo tempo apresentam características do sistema imune inato. Isso porque, o mecanismo de reconhecimento de organismos estranhos ao corpo (patógenos) ou de células tumorais é diferente das células T alfa-beta (CD4+ e CD8+).

Figura 2: Célula T contendo cadeias alfa-beta (azul) e células T contendo as cadeias gama-delta (amarelo).

O reconhecimento pelos linfócitos T alfa-beta é feito exclusivamente através da interação entre receptor de célula T (TCR) que é composto por cadeias alfa e beta (Figura 3), presente nos linfócitos, e MHC (complexo principal de histocompatibilidade) presente nas células de defesa que fagocitam patógenos ou células tumorais. É esta molécula MHC que também identifica em transplantes se as células são próprias ou não. Esse tipo de interação é específica para partículas do patógeno que sejam proteínas, os chamados antígenos. Já as células do sistema imune inato, conhecidas como primeira linha de defesa, reconhecem os patógenos através de outro tipo de receptores, que não reconhecem de maneira específica proteínas, mas sim outros tipos de moléculas que diferenciam células infectadas por patógenos ou com outros tipos de problemas.

Figura 3: Interação entre a célula T contendo TCR com cadeias alfa-beta e o MHC apresentando o antígeno.

As células T gama delta (Figura 4) possuem um tipo de receptor TCR não-convencional composto por cadeias gama e delta, diferente do TCR das outras células T e reconhecem células que estejam com problema a partir de moléculas chamadas fosfoantígenos, as quais estão presentes em células que estejam infectadas por patógenos ou células tumorais. Dessa forma, se as células gama delta não possuem TCR convencional, ou seja, não reconhecem antígenos através da apresentação pelo MHC, que é um dos principais problemas para rejeição em transplantes, utilizar este tipo de célula T evita que haja rejeição no paciente e pode ser uma ferramenta importante para terapia alogênica. Além disso, por reconhecerem antígenos que não sejam apenas proteínas, aumenta a variedade de reconhecimento.

Figura 4: Interação entre a célula T com cadeias gama-delta e o fosfoantígeno, sem a necessidade de apresentá-lo pela molécula de MHC.

As células T gama delta apresentam capacidade de eliminar com eficiência células que apresentem alguma ameaça ao organismo, visto que fazem parte do sistema de defesa. Elas conseguem eliminar patógenos que foram fagocitados por células responsáveis pela vigilância do corpo ou ainda células de tumores.
Sabendo de tudo isso, a terapia convencional com células T-CAR, em que se utilizam células T do subtipo CD4+ e CD8+ e é feita de maneira autóloga, pode também ser feita utilizando células T gama delta, tornando-se uma terapia alogênica. Assim, estas células poderiam ser obtidas por doadores saudáveis em um local de coleta, levadas ao laboratório para serem modificadas para que expressem a molécula CAR, armazenadas em local apropriado, e por fim, servirem como tratamento para algum paciente que esteja no hospital precisando deste tipo de tratamento (Figura 5). Assim, este paciente não corre risco de sofrer rejeição às células que recebeu e há maior chances destas células estarem mais fortes e resistentes para eliminar os tumores.

Referências Bibliográficas

  • Kabelitz, Dieter, et al. “Cancer immunotherapy with γδ T cells: many paths ahead of us.” Cellular & molecular immunology 17.9 (2020): 925-939.
  • Fisher, Jonathan, and John Anderson. “Engineering approaches in human gamma delta T cells for cancer immunotherapy.” Frontiers in immunology 9 (2018): 1409.
  • Morandi, Fabio, et al. “Engineering the bridge between innate and adaptive immunity for cancer immunotherapy: focus on γδ T and NK cells.” Cells 9.8 (2020): 1757.

Revisão
Dayane de Fátima Schmidt
Mariane Tirapelle

Imagens
Biorender

Diagramação
Roberto Galetti Sanchez