Quando falamos de genes, nos soa como algo distante, que só importa ao cientista em seu laboratório, cultivando células em uma placa de Petri.
Sabemos que os genes fazem parte de nosso genoma, presente no núcleo de todas as nossas células, controlando todas as funções celulares e, consequentemente, envolvido com todos os aspectos relacionados à nossa morfologia, fisiologia, comportamento, etc.
Os genes são trechos da molécula de DNA. Esta, por sua vez, consiste de duas cadeias compostas por subunidades polipeptídicas, que podem ser de quatro tipos. As longas cadeias se ligam através de pontes de hidrogênio entre os nucleotídeos. A molécula de DNA, por isso, tem um aspecto de fita dupla longa, e se apresenta em uma conformação de dupla hélice.
As subunidades polipeptídicas, os nucleotídeos, são compostas por açúcares de cinco carbonos, aos quais um grupo fosfato está ligado, e uma base nitrogenada. No caso do DNA, o açúcar é uma desoxirribose, cuja base pode ser de quatro tipos: adenina (A), citosina (C), guanina (G) e timina (T). Como apenas as bases dos açúcares variam no DNA, cada cadeia polinucleotídica (cada fita da dupla hélice) lembra um colar com quatro tipos de contas diferentes: A, C, G e T.
Os genes são trechos dessa cadeia polinucleotídica que podem ser expressos, através do processo da transcrição. A transcrição é um processo que envolve diversas proteínas e outras moléculas, através do qual as informações contidas no DNA são passadas para outra molécula, o RNA, que pode ser traduzido em proteínas ou atuar diretamente em processos importantes para a célula.
Os genes, portanto, podem ser “representados” por sequências de “contas”, ou seja, de nucleotídeos. E, para representar essa sequência, basta usar as letras referentes à sequência de bases de cada açúcar. Por exemplo, se um gene se inicia com uma adenina, podemos começar a representa-lo pela letra ‘A’. A base seguinte, a timina, representada pela letra T. E por aí vai…
Um gene, que costuma ter centenas de nucleotídeos, pode ser representado, por exemplo, por sua sequência de bases: ATGCCCATGGCTGC…CCGCCAAAATCCTAG.
Essa sequência de bases é a linguagem do DNA. É através de diferentes sequências que o DNA é capaz de armazenar todas as informações que são necessárias para a vida, desde a fecundação até a morte do indivíduo. Lembre-se que o DNA nuclear é o mesmo em todas as células de um organismo, mas não é igual para todos os organismos. Por quê?
A reprodução sexuada é uma das razões. Os animais, por exemplo, formam novos indivíduos (se reproduzem) através da fecundação, que é a fusão do gameta masculino (célula que carrega 50% do material genético do pai) com o gameta feminino (célula que carrega 50% do material genético da mãe). Além disso, mutações e eventuais erros fazem com que o DNA acumule modificações transmissíveis ao longo das gerações. E essas modificações garantem que haja variação dentro de uma mesma espécie. Imagine as diferenças entre espécies distintas!
Podemos dizer que as alterações do genoma são causadas por falhas dos mecanismos normais de cópia e manutenção do DNA. E, como o DNA é o “centro de comando” das células e, consequentemente, de um organismo, alterações no DNA podem implicar ou não em alterações no fenótipo, sejam elas sutis, quase imperceptíveis, sejam elas tão grandes a ponto de levar o indivíduo à morte.
Embora alterações no genoma sejam, comumente, associadas a efeitos negativos, como doenças e malformações, elas têm um valor essencial para a evolução das espécies. Algumas dessas alterações podem implicar em mudanças, sejam elas sutis ou nem tanto, no fenótipo, de forma a beneficiar um indivíduo, ao invés de prejudicá-lo. Se essas mudanças acabam contribuindo para a sobrevivência de um organismo, sob determinadas condições ambientais, isso pode facilitar que esse indivíduo se reproduza e essa mudança, que inicialmente surgiu ao acaso, como um erro, pode ser passada para seus descendentes. Os descendentes, que herdarão essa característica, podem continuar se beneficiando e, por consequência, podem passando a essa característica para as gerações seguintes, e assim por diante. O acúmulo de mudanças, tanto no genoma, quanto no fenótipo, ao longo de muitas gerações (muitas mesmo!), é uma forma de se entender a evolução das espécies.
Note que as mudanças herdadas pelas gerações seguintes são transmitidas no momento da fecundação – ou seja, elas não são adquiridas durante a vida do organismo que vai transmiti-las. Além disso, essas mudanças estão associadas a erros e acidentes da maquinaria genômica e celular (como mutações, deleções e substituições de bases, etc.) que ocorrem durante a duplicação, recombinação ou reparo do DNA nas células germinativas (aquelas responsáveis por produzir os gametas masculino e feminino, respectivamente, óvulo e espermatozoide). Ou seja: a evolução depende de erros e acidentes, capazes de produzir variabilidade, e essa variabilidade está sujeita a ser selecionada, podendo se fixar em uma população.
E se existe variação entre indivíduos de uma mesma espécie (mesmo entre irmãos, pais e filhos, etc.), imagine a variação entre indivíduos de espécies diferentes. Nós, seres humanos, por exemplo, somos primatas (por sua vez, mamíferos) e um grupo irmão dos chimpanzés. Isso significa que nossa linhagem, a linhagem dos hominídeos, teve um ancestral comum muito recente com o da linhagem dos chimpanzés. Ou seja, há cerca de pouco mais que 5 milhões de anos, essa espécie ancestral acumulava diferenças em seu genoma, ao longo de duas gerações, que diferenciavam um grupo de indivíduos de outro grupo, da mesma espécie. Com o tempo, as diferenças acumuladas foram tantas, que deu-se origem a linhagens distintas. Essas linhagens, alguns milhões de anos depois, estão representadas por espécies viventes, os seres humanos e os chimpanzés.
Cinco milhões de anos depois, imagine quantas diferenças foram acumuladas nos genomas dessas duas linhagens. Mas não se assuste: o sequenciamento do genoma humano e do genoma dos chimpanzés nos indica que há apenas 1,2% de divergência. Isso significa que nossas cadeias de DNA nuclear, compostas por cerca de 3,1 bilhões de pares de bases (ou seja, 3,1 bilhões daquelas “letrinhas”, quando representadas), são quase 99% parecidas com a sequência de nucleotídeos do genoma dos chimpanzés.
Técnicas e ferramentas recentes, como a bioinformática, permitem que o sequenciamento do DNA seja feito. Ao sequenciar o genoma de um indivíduo, ou mesmo de uma espécie, é possível comparar com o de outros indivíduos (variação intraespecífica no genoma) ou com o de outras espécies (variação interespecífica).
Essas comparações contribuem de formas diversas. Ao se comparar, por exemplo, o gene de uma proteína específica envolvida com a leucemia de um paciente com essa doença com o mesmo gene, mas em um paciente saudável, é possível identificar quais modificações na sequência de bases podem estar envolvidos com o surgimento da doença. Da mesma forma, ao comparar o genoma do ser humano com o do chimpanzé, atentando para genes importantes, é possível entender a história evolutiva da espécie humana e tentar reconstruir as alterações que foram transmitidas por nossos ancestrais, de forma a surgir uma espécie com as peculiaridades da nossa – e o mesmo vale para os chimpanzés e para qualquer outra espécie de ser vivo do planeta.
E se genes e genomas ainda soam como algo distante, que só interessa à ciência, talvez seja hora de repensar isso. As informações genéticas são tão importantes quanto o ambiente que nos rodeia, e estão no centro de definir quem somos nós – como espécie ou mesmo como indivíduos.
escrito por Vinicius Anelli
revisado por Marisa Barbieri
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