As plantas estão em toda parte. Fazem parte da nossa alimentação, decoram nossos jardins e são abundantes em parques e praças. Fora das cidades, formações vegetais podem assumir formas tão discrepantes entre si, como o cerrado e a floresta tropical úmida, que a variabilidade impressiona. A verdade é que muitas vezes negligenciamos as plantas: não apenas em nosso cotidiano, como também em nossos estudos. É muito comum ouvir um estudante do curso de biologia assumir seu desinteresse por botânica. Gosto não se discute, tudo bem. Mas não podemos nos esquecer do papel fundamental das plantas. Aliás, não podemos desconsiderar que, sem as plantas, haveria um colapso global. Elas assumem um papel vital na natureza e dada sua diversidade e importância, relacionam-se com outros organismos de muitas formas: muitas vezes, com impressionante e aprimorada graça.

Parece até poesia, mas foi impossível não se maravilhar com o que trouxe aos alunos do Adote um Cientista o mestre em Biologia Vegetal, João Paulo Alves. Doutorando pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), ele apresentou muito mais do que a função das flores, mas como a planta garante sua sobrevivência se associando a outros organismos.

 

Reprodução das Plantas
Primeiramente, é preciso lembrar-se que as plantas formam um reino (Plantae) e são organismos eucariontes pluricelulares e majoritariamente autotróficos. Dentre as plantas, podemos destacar o grupo composto por aquelas que produzem sementes (as Fanerógamas), dentro do qual estão as plantas que produzem flores, conhecidas como Angiospermas, e que foram amplamente abordadas na palestra de João Paulo. 
Há diversas peculiaridades que distinguem os grupos de plantas em relação à sua reprodução. O importante é saber que há tanto reprodução assexuada quanto sexuada em plantas e que esta última, que envolve a produção de gametas, é de extrema importância para a variabilidade genética.
Uma grande questão relacionada à reprodução sexuada, então: como as plantas trocam gametas entre si se elas são imóveis? Como uma planta faz com que seus gametas cheguem até outra planta? 
Através das flores”, contou João Paulo.

 

Estrutura das flores e a fertilização

O pesquisador explicou aos alunos que uma flor completa é composta por algumas estruturas básicas. O estame é a estrutura envolvida com a produção do gameta masculino, e é constituído pelo filete e pela antera. Já o carpelo produz o gameta feminino, sendo composto pelo estigma, estilete e pelo ovário, onde está contido o óvulo – vale frisar que, nas plantas, o óvulo é a estrutura que armazena o gameta feminino (ao contrário dos animais, onde o óvulo é o gameta feminino). Basicamente, para que ocorra a fertilização, é preciso que o gameta masculino se encontre com o feminino e, juntos, formem o zigoto.

O que é um zigoto?
João Paulo: O zigoto é a primeira célula de um organismo. Um gameta masculino se juntou a um gameta feminino, formando uma nova célula, o zigoto. Essa célula vai se dividir para ir formando o novo organismo – enquanto é uma célula, chamamos de zigoto; após a primeira divisão, chamamos de embrião.

Geralmente, é o gameta masculino da planta que vai ao encontro do feminino. Para isso, a antera produz o grão-de-pólen, estrutura dentro da qual é contido o gameta masculino e cuja estrutura, que pode variar muito de espécie para espécie, está intimamente relacionada com essa jornada até o óvulo.

O grão-de-pólen com ornamentações na superfície é diferente do que é liso?
João Paulo: Sim. Essas diferenças são de acordo com a espécie e com a família da planta que produziu o grão-de-pólen. Mas a função permanece a mesma: transportar e emitir o gameta masculino. Mas como isso é feito, pode variar de acordo com essas características sim. Tem diferenças se ele é enrugado ou liso de acordo com o tipo de viagem que o grão-de-pólen faz, de acordo com o tipo de polinização.

O grão-de-pólen, quando chega ao estigma, germina. A germinação do pólen leva à formação do tubo polínico que atravessa o estilete e por onde viaja o gameta masculino. Após o estilete, o tubo polínico chega ao ovário e ao óvulo, onde ocorre o encontro com o gameta feminino. Quando os dois gametas, finalmente, se encontram, ocorre a formação do zigoto, a partir do qual é formado o embrião e, posteriormente, a semente (a partir do óvulo).

Existem plantas hermafroditas?
João Paulo: Existem sim [num sentido amplo]. São plantas que produzem tanto gameta masculino quanto o feminino. O que acontece, e essa é uma questão delicada: onde está o gameta masculino? No grão de pólen. Tudo bem, o pólen foi produzido pela flor, mas quem tem o sexo não é a flor. O grão-de-pólen é do sexo masculino e não a flor que o produziu. Da mesma maneira, o óvulo, que é quem contém o gameta feminino. Portanto, a flor não tem o sexo. Ela produz estames e carpelos. Uma flor pode ser completa, ou seja, ter estames e carpelos, desempenhando as duas funções. E há flores que só têm carpelos e outras que só têm estames…

Se a fertilização consiste no encontro dos dois gametas, a polinização é a etapa durante a qual o grão-de-pólen sai da antera de uma flor e chega até o estigma (seja da mesma flor ou de flor diferente, na mesma planta ou em planta diferente). Em suma, a polinização é a etapa que precede a fertilização e que está relacionada à superação do obstáculo já apontado: como uma planta, um organismo imóvel, faz com que seu gameta chegue à outro indivíduo da mesma espécie.
E é nessa etapa, na polinização, que entram em ação os agentes polinizadores, ou seja, os responsáveis por transportar o gameta masculino (dentro do pólen) de um lugar para o outro.

Polinização

Agora que sabemos que os polinizadores levam o pólen de uma flor à outra, podemos nos perguntar: mas isso é feito de graça?
João Paulo explicou que, para responder a essa pergunta, é preciso ter noção de dois conceitos chave: o que são os recursos e os atrativos envolvidos na polinização. O pesquisador explicou que o recurso é, basicamente, a forma como a planta “paga” pelo serviço prestado, que é a polinização. Isso pode ser feito ao oferecer alimento para o polinizador e também ao favorecer a reprodução (fornecendo abrigo, material para a construção de ninho, local para se encontrar um parceiro, etc.). Já o atrativo é a forma como a planta indica ao polinizador como o serviço deve ser feito, ou seja, onde e quando buscar o pólen e para onde levá-lo. E isso é feito, principalmente, através da cor e do cheiro das flores.
Uma estratégia interessante utilizada pelas plantas é quando o próprio grão-de-pólen atua como recurso, servindo como alimento para o polinizador. Isso é possível porque, para germinar, o pólen necessita de uma reserva energética e de nutrientes (ele mostrou, como exemplo, imagens de microscopia com coloração para algumas substâncias, indicando a abundância de lipídeos, proteínas e açúcares no grão-de-pólen). Por essa razão, alguns animais podem se alimentar do pólen e, ao fazê-lo, acabam por carregar a sobra que não serviu de alimento para lá e para cá preso ao seu corpo. Outro recurso importante para a polinização é o néctar. Secretado em muitas plantas por uma estrutura especializada da flor, o nectário, é uma solução composta por glicose, água, proteínas e outras substâncias. Em resposta a pergunta de uma das alunas, João Paulo explicou que embora escorra na flor, o néctar não está relacionado ao sabor do fruto, e que muitos animais, ao buscarem pelo néctar, acabam por se “sujar” com pólen e carregá-lo de uma flor a outra.

Na passarela, os polinizadores
O primeiro grupo de polinizadores apresentado foi o dos besouros. Um grupo bastante diverso (com um gigantesco número de espécie) e com diferentes estratégias. Besouros procuram flores como abrigo para se reproduzir ou se proteger, assim como por alimento, seja néctar ou pólen. Um exemplo interessante trazido pelo pesquisador foi o do besouro rola-bosta, que se alimenta de fezes: como atrativo, a planta passou a produzir um cheiro que se assemelha ao alimento favorito do animal, de forma que o besouro vai até ela em busca de comida e acaba levando um pouco de pólen ao fazê-lo. Um aluno, impressionado, comentou que um cheiro que é incômodo ao ser humano, muitas vezes, pode ser um atrativo para outros animais. “Dependendo do bicho, é uma delícia”, completou João Paulo.

A joaninha também poliniza?

João Paulo: A joaninha, na verdade, preda pulgão. O pulgão é um herbívoro que ataca a planta. Por isso mesmo, a joaninha ajuda a planta ao defendê-la de herbivoria, mas ela não poliniza.

Uma estratégia observada em outro grupo foi o caso de plantas polinizadas por moscas. Essas plantas assumem textura e cor semelhantes ao de um pedaço de carne, o que acaba atraindo os animais até elas. Um exemplo interessante é o de uma planta conhecida popularmente como “papo-de-peru”, pelo formato tubular de sua flor. Ao atrair a moscar até ela, o animal acaba se adentrando no estreito tubo que contém os carpelos e os estames. Além de estreito, o tubo contém estruturas pilosas que dificultam a saída da mosca que, ali dentro, acaba por se “sujar” de pólen antes de conseguir sair. Moscas, geralmente, vão à procura de néctar, uma importante fonte de alimento para algumas espécies.
Ao contrário das flores polinizadas por moscas, aquelas cujos polinizadores são as borboletas possuem cores bastante vibrantes e estão entre as mais admiradas pelos humanos. Flores vermelhas e amarelas são muito comuns nesse caso e, geralmente, se abrem durante o dia. “Isso porque borboletas são insetos cujo hábito é diurno”, explicou o pesquisador. Além disso, são flores com estruturas tubulares, uma vez que o aparelho bucal da borboleta é comprido.
É interessante, porque esse é mais um exemplo demonstrando que o formato e as características da flor direcionam o comportamento do polinizador”, contou João Paulo.

O caso das abelhas: a flor (forma) e a polinização (função)
A relação das abelhas com a polinização é tão íntima que muitas espécies possuem o último par de apêndices modificado em uma estrutura que se assemelha a uma cestinha, para carregar o pólen. Isso porque o pólen é um recurso muito importante, especialmente para abelhas sociais (que formam colmeias), atuando como sua principal fonte de proteínas. Mesmo assim, ao capturar o pólen, um pouco pode escapar e ficar preso ao corpo, de forma que quando a abelha vai de uma folha a outra, ela contribui na polinização.

Se ocorrer a extinção das abelhas, vai parar de produzir frutos?
João Paulo: É terrível pensar, mas as plantas que dependem das abelhas para a polinização serão extintas. E isso porque uma etapa anterior à fertilização não será possível: a planta não produzirá semente, não produzirá novas plantas… e acabará desaparecendo.
Mas e os outros insetos?
João Paulo: Essa é uma pergunta boa… “se acabarem as abelhas as plantas não podem se adaptar a outro tipo de polinizador já que, como vimos, há vários?”. Provavelmente não dá tempo de isso acontecer. Porque a adaptação das flores a esse tipo de polinização foi algo que vem acontecendo há milhões e milhões de anos. A planta não vai ter a chance de experimentar outras estratégias na mesma velocidade que a gente está extinguindo as abelhas.

Elencando ainda mais a relação da forma da flor com sua polinização, o pesquisador mostrou alguns exemplos de como as flores influenciam nesse processo. Por exemplo, a flor do maracujá tem uma estrutura que faz com que o estame/estigma se encoste nas costas da abelha quando essa está se servindo de néctar, fazendo com que a transferência do pólen (do estame para abelha/da abelha para o estigma) ocorra.
Além disso, outras estratégias interessantes são observadas. Algumas flores possuem linhas que atuam como estímulo visual e tátil, direcionando a abelha até as estruturas reprodutivas. Outro exemplo bastante refinado é o caso de abelhas que polinizam flores cujos estames liberam o grão-de-pólen apenas quando o animal vibra as anteras numa frequência bastante específica (polinização de vibração).

Sobre aves, morcegos e o vento
Outros agentes polinizadores, que não os insetos, também são comuns. Aves polinizam flores ao procurar por néctar. “O beija-flor não tem esse nome a toa”, explicou João Paulo. Uma observação interessante é que, mais uma vez, a forma da flor está relacionada à sua polinização: flores polinizadas por aves são maiores e mais robustas (já que o próprio agente é um animal maior e menos delicado que os insetos) e a proporção de néctar produzido também é elevada.
Morcegos, que são mamíferos de hábito noturno, se alimentam do néctar de flores que, em resposta ao hábito dos polinizadores, possuem maior produção dessa substância durante a noite. Ao se alimentar de néctar, tanto as aves quanto os morcegos acabam se cobrindo de pólen, levando a estrutura que contém o gameta masculino de uma flor à outra.
No caso das aves, os atrativos são, em sua maioria, visuais, já que não são muito sensíveis a cheiro. Já os morcegos, que possuem comportamento mais ativo no escuro, utilizam o mecanismo de sonar para posicionar os objetos no espaço. Em resposta a essa estratégia, plantas polinizadas por morcegos, como alguns cactos, possuem estruturas que direcionam o som e facilitam a localização para esses animais.

O bater das asas produz uma rajada de vento… isso não atrapalha para capturar o pólen?
João Paulo: Boa pergunta. A deposição de pólen é muito direcionada. A rajada de vento produzida pelo bater de asas do beija-flor atinge mais as laterais do animal. No centro do corpo, a turbulência não vai ser tanta, e é exatamente nessa região que o pólen costuma ser depositado: geralmente, na testa do beija-flor.

Outro importante agente polinizador é o vento. Plantas polinizadas pelo vento (tal como o capim), ao contrário daquelas cujo polinizador é um animal, não precisam responder a uma demanda de recurso (tal como néctar) ou atrativo (tal como cor e cheiro). Apesar disso, são plantas que investem na produção de um número elevado de flores, uma vez que sua polinização não é específica. Uma adaptação interessante é observada no estigma, que geralmente é maior, o que aumenta a chance de algum grão-de-pólen suspenso no ar chegar até ele. Isso deixa bastante claro que, mesmo quando não precisa investir na produção de recursos ou de atrativos, a planta precisa responder à demanda do tipo de polinização.

 

Fertilização
Ocorrida a polinização a missão está cumprida?”, questionou João Paulo. “Para o polinizador, talvez sim!
O que acontece se a abelha pega o pólen de uma flor de limão e acaba indo para uma flor de laranja, por exemplo?”, perguntou uma das alunas do programa.
O pesquisador explicou que, geralmente, a planta não aceita o pólen de outra espécie. Isso porque há uma intensa comunicação celular envolvida no reconhecimento do gameta masculino. De fato, essa comunicação determina se o estigma irá propiciar o desenvolvimento do tubo polínico ou não. Se “o aceite” ocorre, o tubo polínico se forma e vai crescendo em direção ao gameta feminino, em um processo de intensa sinalização. Ele apresentou o vídeo de um experimento que mostra claramente a relação entre o direcionamento do tubo polínico e o gameta feminino: se, em condição experimental, a posição do óvulo é alterada, observa-se que a direção do crescimento do tubo também se altera. De fato, essa comunicação intensa entre os dois gametas é essencial para que a fertilização ocorra, possibilitando a formação do embrião. Uma vez formado, o embrião se desenvolve em semente que, na plantas com flores, será armazenado no fruto. Mas, aí, seria uma etapa do ciclo de vida posterior à polinização e à fertilização, que é a germinação de uma nova plântula…

 

Da botânica…
O botânico João Paulo, ao fim de sua fala, apontou que há diversas dúvidas que surgiram após o conhecimento desses mecanismos de polinização e de fertilização. Por exemplo, quais aspectos estão envolvidos no fato de que plantas muito próximas entre si (de uma mesma família ou tribo) podem atrair polinizadores diferentes? Ou mesmo, ao contrário, como plantas de famílias distantes são capazes de atrair o mesmo polinizador?
Além disso, uma questão refinada envolve a comunicação e a cognição do polinizador: por exemplo, abelhas veem um espectro da luz diferente do nosso (ela veem luz ultravioleta e não conseguem enxergar a cor vermelha), de forma que estímulos visuais em flores são percebidos de forma completamente diferente pelos outros animais. Essa relação entre o modo como a flor atrai o polinizador e a maneira como o polinizador é atraído por ela (através de processos cognitivos) ainda é pouco compreendida e objeto de muitas pesquisas da área.

Mas e as plantas carnívoras?
João Paulo: O interessante é que, o que é carnívoro nessas plantas é a folha. A flor precisa atrair o polinizador… e se ela comesse a mosca que está coberta de pólen, ora, ela acabaria matando seu transportador! Isso não seria muito esperto.
Mas ela tem um sistema digestório?
João Paulo: Não igual ao nosso, com estômago, intestino, etc. Por exemplo, aquela planta carnívora mais conhecida, que tem uma espécie de boca… uma espécie de alçapão que fecha quando o alimento está ali. Ao se fechar, uma folha encosta na outra e no meio das duas são secretadas enzimas que digerem a mosca, por exemplo, fora do corpo dela. Ela não vai engolir ou mastigar. E conforme o bicho vai sendo digerido, a planta é capaz de absorver os produtos de sua decomposição e, com isso, se alimentar. Nesse caso, é a folha que captura os bichos, mas esse é um sistema separado do que está envolvido com a polinização. Assim, por exemplo, uma planta que costuma se alimentar de moscas pode se especializar para que sua polinização seja feita por abelhas…

De fato, na tarde do dia 14 de maio de 2015, os alunos do programa Adote um Cientista tiveram a chance de conhecer melhor as estratégias utilizadas pelas plantas e pelos animais para que a polinização ocorra. Se não impressionados pela beleza dessas relações, talvez o encontro tenha servido para mostrar que a botânica é uma área bastante rica e integradora, não podendo ser negada a importância das plantas na manutenção da vida nem a destreza com que elas se adaptaram permitindo a perpetuação de um grupo diverso e fascinante.


Espaço dos alunos

A partir da análise das filipetas do encontro, a equipe da Casa da Ciência produziu este infográfico destacando as principais dúvidas manifestadas pelos alunos e os principais conceitos aprendidos no encontro. A finalidade deste instrumento é a avaliação dos momentos de aprendizagem do aluno e valorização da sua dúvida.


Texto

Autoria: Vinicius Anelli

Edição: Ms. João Paulo Alves

Revisão: Profa. Dra. Marisa Ramos Barbieri e Gisele Oliveira

 

Espaço dos alunos

Análise de filipetas: Luciana Silva

Infográfico: Vinicius Anelli

Diagramação

Vinicius Anelli