São seis horas da manhã e você acorda com o seu despertador tocando. Ainda relutante com a preguiça, você se levanta e vai para a cozinha comer um café da manhã, com direito a bolo de chocolate que restou do fim de semana, e em seguida seguir para o banho gelado, pois precisava se livrar daquele sono de vez antes de ir para a escola. Durante esse período você deve ter pensado muitas coisas, lembrado de afazeres de hoje, dos bons momentos do dia anterior e ficado ansioso pelo final de semana que esta próximo (hoje é sexta-feira). Mas uma coisa que provavelmente não passou pela sua cabeça foi a imensa quantidade de pequenos animais que compartilharam os cômodos da sua casa com você durante cada um dos seus afazeres matinais, do sono no quarto à ducha no banheiro. Tudo bem, talvez alguma lembrança do tipo tenha surgido quando você notou que o bolo que deixou esquecido na mesa da cozinha juntou um número muito grande de formigas.

Isso ocorre porque é justamente no contexto de “pragas”, baratas que surgem voando quando você menos espera ou cupins que tomam conta de seu guarda-roupa, que geralmente lembramos dividir nossa casa com outros seres. Para se ter uma noção da dimensão disso, basta pensar na quantidade de moradores que fazem uso de inseticida em suas casas, número estimado em 56% do total de casas nos Estados Unidos, e que provavelmente você usa na sua casa aqui no Brasil também. Ou mesmo imaginar o grande número de empresas especializadas em dedetização (controle químico) que existem na sua cidade.

Durante toda a existência humana, os espaços ocupados pela nossa espécie como abrigos – das cavernas utilizadas pelos nossos ancestrais distantes aos apartamentos ou casa em que vivemos atualmente – sempre foram compartilhado com outros seres vivos. A lista é longa e inclui de mamíferos (como ratos e marsupiais) e aves (como bem-te-vi e joão de barro), até microrganismos (como fungos e bactérias). Contudo, o grupo mais abundante e diverso de seres vivos encontrados na Terra como um todo, incluindo sua casa, são os artrópodes, que sempre encontram em nossas “casas” abrigos com as condições perfeitas para sua existência. Independentemente de serem espécies consideradas pragas devido à abundância e/ou mal que podem nos trazer, como é o caso, por exemplo, do mosquito da dengue, ou animais sequer notados por nós durante nossa rotina matinal, por serem mais discretos e não nos causarem mal.

 

Mas o que são artrópodes?

Os artrópodes surgiram há mais de 600 milhões de anos, durante a era geológica conhecida como Pré-Cambriano, e passaram por uma irradiação evolutiva (diversificação) muito grande desde então. Os diversos grupos de artrópodes viventes conhecidos ocupam praticamente todos os continentes do planeta, bem como diferentes habitats, como terrestre e aquático. Entre eles, os mais conhecidos são os insetos e seus parentes (Hexapoda); os crustáceos (Crustacea); as lacrais, piolhos de cobra e parentes (Myriapoda); e as aranhas, escorpiões e seus parentes (Cheleciriformes) (Figura 1). Para se ter uma ideia da diversidade do grupo dos artrópodes, basta saber que estima-se existir mais de um milhão de artrópodes viventes e dentre todos os animais conhecidos e descritos pela ciência, eles representam 85% de sua totalidade. Isto é, sem contar todas as espécies extintas conhecidas e ainda não conhecidas.

Figura 1: Artrópodes comumente encontrados em casas nos Estados Unidos (modificado de Bertone et al. 2016). A) Tatuzinho-de-jardim; B) Aranha; C) Besouro; D) Piolho-de-cobra; E) Cupim; F) Percevejo; G) Formiga; H) Mosca; I) Barata; e J) Ácaro.

Todos os artrópodes costumam ser prontamente reconhecidos pelo seu exoesqueleto duro (quitinoso) e apêndices articulados. Isso significa que esses animais possuem uma estrutura análoga ao nosso esqueleto, só que externa (já ouviu um “creck” ao esmagar uma barata? É o barulho de um exoesqueleto se quebrando!). Quanto aos seus apêndices, de acordo com o grupo que você observa, haverá grandes variações. Por exemplo, os crustáceos têm dois pares de antenas, enquanto insetos e miriápodes apenas um; já os insetos têm três pares de pernas enquanto esse número varia muito nos crustáceos, pode ser de até centenas nos miriápodes ou quatro pares nos aracnídeos. Você conseguiria diferenciar entre esses animais na sua casa? Além disso, muitos insetos apresentam asas e com isso são capazes de voar, mas isso você já sabia, afinal aquele zumbido no seu ouvido enquanto tentava dormir essa noite não te deixa esquecer.

 

Quais sãos os artrópodes mais frequentemente encontrados nas casas?

Um grupo de seis pesquisadores trabalhando em laboratórios de diferentes institutos de pesquisa no EUA e Dinamarca realizaram um levantamento da diversidade de artrópodes em casas norte americanas. Eles tinham o objetivo de responder essa pergunta. Durante o estudo, 50 casas tiveram analisados todos os seus cômodos em busca desses pequenos animais, por meio de armadilhas e de busca ativa por parte dos pesquisadores. Mais de 10.000 artrópodes foram amostrados pelos pesquisadores, entre insetos, aracnídeos, lacraias e crustáceos. Sendo que ao menos 579 espécies distintas foram coletadas, o que representa mais de 300 famílias de artrópodes.  Em média, 93 espécies existiam por casa, mas esse número podia variar entre 32 e 211 espécies.

Contudo, é provável que esses números sejam subestimados, ou seja, na realidade devem ser muito maiores, visto que, conforme os pesquisadores aumentavam o número de casas amostradas, mais espécies eram encontradas dentro dessas. Além disso, esse estudo foi realizado nos EUA em uma região com uma biodiversidade muito menor do que o Brasil, por exemplo. Quantos artrópodes que existem na sua casa você conhece?

Algo bastante curioso foi que dentre os artrópodes mais frequentemente encontrados estavam alguns que provavelmente a maioria das pessoas sequer notam, como tatuzinhos de jardim (família Armadillidiidae de crustáceos terrestres) e outros diminutos, os colêmbolos, que são parentes dos insetos (da família Entomobryidae de Hexapoda). Além disso, foram encontradas diversas espécies de aranhas, besouros, mosquitos, formigas, psocóptoros (insetos comedores de livros), percevejos, e claro, baratas, cupins e piolhos. Mas fique tranquilo, você não deve sair matando todos animais que encontrar. Na verdade, a maior parte desses animais são inofensivos ao ser humano – seus cachorrinhos e gatinhos também.

Já pensou? E você preocupado apenas com as formigas que você viu andando no bolo. Da próxima vez que você estiver em casa, tente olhar a sua volta, observar melhor o grande espetáculo que são esses animais pequenos, muitas vezes não notados, mas que diariamente te acompanham durante sua rotina matinal antes de ir pra a escola. Você consegue identificá-los?

Texto por Caio M.C.A. de Oliveira 

Revisão por Vinícius Anelli

Para saber mais

Bertone et al. (2016), Arthropods of the great indoors: characterizing diversity inside urban and suburban homes. PeerJ 4:e1582; DOI 10.7717/peerj.1582

Brusca, R.C. & G.J. Brusca, 2007. Invertebrados. Segunda edição. Editora Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro. 968 p.