Usar óculos ela não consegue, mas regenerar… Planária, você conhece?

Vamos fazer um exercício de imaginação: pense neste momento em uma lagoa e todos os seres vivos que podem viver nela. Agora vamos esquecer as plantas (como o Agua-pé ou Elódea) e pensar só nos animais. Dentre todos os animais que você imaginou, qual deles é diferente de peixe, sapo e caramujo? Se você conseguiu listar três animais diferentes destes, parabéns! Você já conhece um pouco sobre a vida aquática.
Mas será que você pensou em algum verme de corpo achatado e vida livre? Será que elegeu este pequeno invertebrado como um animal que vive na lagoa? 
A planária é um platelminto (denominação para vermes de corpo achatado como a Taenia solium, chamada popularmente de “solitária”) da classe dos turbelários, animais que geralmente não são parasitas, ou seja, possuem vida livre. As planárias são animais exclusivamente aquáticos, e podem ser encontradas tanto em ambiente marinho como em água-doce. Na lagoa pode ser encontrada na raiz de água-pé, sob o tronco de árvores e folhas submersas.

Cardápio da planária
Esse animal possui sistema digestório incompleto, formado apenas pela boca, esôfago e um intestino rudimentar. Deste modo, o caminho percorrido pelos alimentos é o inverso daquele feito pelos dejetos. A planária é capaz de caçar pequenos crustáceos, larvas de insetos e gastrópodes ou ainda se alimentar de material em decomposição. Por isso, é considerada carnívora e necrófaga. Além do mais, planárias de água doce suportam jejum prolongado, pois são capazes de utilizar os próprios órgãos e tecidos como fonte de nutrientes. Nesse período de escassez reduzem significativamente seu tamanho, que retorna ao normal quando a alimentação é restituída.
A grandeza de uma planária certamente não está em seu tamanho diminuto, mas em sua poderosa capacidade de regeneração, que não é como as dos humanos, que possuem grau de regeneração bem mais complexo e, por esse motivo, bem menor do que de uma planária. Veja como a regeneração é um processo essencial ao ser humano: quando nos cortamos há um sangramento, mas logo pára e cresce uma ”casquinha” que esconde em baixo de si o desenvolvimento normal do tecido; quando doamos sangue, novas células sanguíneas são produzidas para “suprir” o que foi retirado; quando quebramos um osso, precisamos engessar e ficar tempo suficiente para que os fragmentos dos ossos voltem a se ligar. Entretanto, podemos fazer a regeneração em caso de ferimento ou perda de nossos tecidos, mas não podemos regenerar um braço por inteiro. Você já se perguntou o porquê disso? Isso está ligado às células-tronco.
Células-tronco
Vamos deixar claro que seres humanos possuem células-tronco, oliveiras crescem devido à elas e planárias também as possuem. As células-tronco das planárias recebem o nome especial de neoblastos e são muito potentes na sua função regenerativa. Caso cortássemos uma planária longitudinalmente, cada um desses dois pedaços conseguiria se regenerar em dois indivíduos inteiros! Se a cortássemos em três pedaços, cada uma dessas partes poderia gerar indivíduos normais, semelhantes àquele antes de ser cortado. Existem vários experimentos que demonstram a capacidade regenerativa da planária, inclusive com a formação de verdadeiros “monstros” de várias cabeças.
Além da similaridade das planárias possuírem células-tronco assim como nós, elas também possuem simetria bilateral. Se imaginarmos novamente uma linha que corte longitudinalmente uma planária e se separarmos os dois lados, iremos perceber que cada um dos lados é “espelho” do outro. Seria a simetria bilateral uma característica que surgiu durante a evolução animal e acabou tornando a simetria radial uma característica mais primitiva dentre os animais?

 
O que os olhos não vêem…

Uma característica que chama bastante a atenção ao visualizar uma planária são estruturas fotorreceptoras chamadas ocelos, que sempre são equivocadamente confundidas com olhos. Os ocelos têm capacidade somente de reconhecer diferenças de intensidade luminosa (se está claro ou escuro), e não consegue formar imagens e muito menos diferenciar cores. Por serem visualmente semelhantes a olhos, muitos que observam a planária à lupa pela primeira vez soltam gargalhadas e exclamações do tipo “Ela é vesga!” ou ainda “Dá um óculos pra ela!”.
Coitadinha da planária! Fisiologicamente falando, ela nem poderia ser estrábica! Como dizer que ela conseguiria usar óculos, sem nariz e orelha pra apoiá-lo.
Texto: Ádamo Davi Diógenes Siena (graduando em Ciências Biológicas na Unesp)