Qualquer ser vivo impacta de alguma forma o ambiente em que vive. Se o impacto é positivo ou negativo dependerá da perspectiva adotada – geralmente será positivo para alguns e negativo para outros. Formigas cortadeiras, por exemplo, podem deixar árvores e arbustos sem nenhuma folha, o que é positivo para as formigas que cultivam fungos com esses fragmentos vegetais, ao passo que têm um efeito direto e negativo sobre os indivíduos das plantas deterioradas, as quais precisam das folhas para fazer fotossíntese. Ainda, a ação das formigas pode gerar diversos outros efeitos indiretos e em cascata com consequências para aquele ecossistema. Por exemplo, a passagem de mais luz solar até o solo (que irá alterar fatores físicos do substrato) ou a perda de superfície foliar (utilizada por lagartas de borboletas para construírem seus casulos e continuarem seu desenvolvimento).
O homem, por sua vez, também sempre teve seu impacto sobre os ecossistemas, uma vez que faz parte da natureza. Seja pisoteando gramíneas ao caminhar nas savanas africanas, “poluindo” o ambiente ao defecar, ou ainda consumindo frutos ou outros animais para se alimentar. Contudo, com o desenvolvimento tecnológico atingido nos últimos séculos – aliado ao supercrescimento populacional humano e a uma cultura globalizada consumista – a nossa capacidade de modificar os ambientes naturais da Terra atingiu uma escala sem precedentes na história da vida que conhecemos. As alterações que impomos aos ecossistemas hoje são tão profundas que extrapolam nossos impactos originais como hominídeos nas savanas africanas, sendo que nossa marca no planeta hoje muitas vezes é majoritariamente negativa para os demais seres vivos e, portanto, indiretamente para nós mesmos.
Um exemplo ilustrativo do que estamos falando são os plásticos. A partir do início do século XX, cada vez mais tipos desses materiais orgânicos poliméricos sintéticos (feito a partir de petróleo e diversos outros compostos) foram criados pelo homem. Devido a sua versatilidade e facilidade de produção, esse tipo de material é utilizado com os mais diversos fins, e você com certeza utiliza ele diariamente, seja em seus aparelhos eletrônicos, automóveis, alimentos, utensílios domésticos, embalagens em geral, sapatos, material escolar… A lista é longa. E é justamente no excesso de seu uso, na maioria das vezes de maneira descartável, que reside o problema que tem sido chamado de “A Nova Primavera Silenciosa” (para saber mais sobre a “Primavera Silenciosa”, leia nosso Ciência em Foco sobre o assunto aqui).
Plástico à vista
De tão familiar no nosso cotidiano, plásticos muitas vezes podem parecer inofensivos. Porém, do ponto de vista científico, já é reconhecido que o uso excessivo e descarte desorganizado desse material é uma ameaça em nível global. Os plásticos correspondem à 75% de toda poluição dos oceanos, e estima-se que entre 3,8 e 12,7 milhões de toneladas desse material sejam descartadas por ano no mundo (23kg por minuto)! Isso representa mais de 50 navios transatlânticos de plástico todos os anos. Problema que fica ainda maior, pois esse material se acumula nos ecossistemas marinhos, uma vez que leva muito tempo para se degradar ali: 300 anos para se decompor 1mm de plástico!
Uma vez na natureza, os plásticos impactam diretamente e negativamente centenas de espécies de organismos marinhos. Peixes, tartarugas e aves marinhas, por exemplo, ingerem plástico (seus resíduos são tóxicos e podem entupir o trato digestivo) e também se emaranham neles (ao se enroscarem, sufocam por estrangulamento e têm a movimentação atrapalhada). Porém, diversos outros organismos marinhos menos familiares ao nosso dia a dia, mas que compõem os ecossistemas e apresentam interações biológicas que regulam seu funcionamento, também são atingidos. Os plásticos, na verdade, afetam individualmente os seres vivos em vários níveis, alterando seu funcionamento genético, vias metabólicas e processos fisiológicos, o que interfere na reprodução e desenvolvimento, podendo levar à morte. Dessa forma, ocorrem efeitos também no nível das populações das espécies bem como estrutura das comunidades.
Mas esses efeitos negativos atingem apenas organismos das regiões de descarte do plástico? Não. Esses elementos, uma vez despejados nos oceanos, são transportados por correntes marítimas e outros fenômenos hidrológicos para toda parte: praias, estuários, baías, mar aberto e até mesmo oceano profundo (3500 km). É como o gás carbônico (CO2) ou outros gases estufa que se espalham por toda atmosfera terrestre: plásticos descartados no mar não têm fronteiras. Um exemplo marcante e bastante conhecido é o da Ilha Henderson (Figura 1), uma ilha isolada no meio do Oceano Pacífico na qual detritos de plásticos estão se acumulando cada vez mais, em toneladas. Exemplo de que mesmo regiões longínquas, distantes de grandes populações de seres humanos, não estão protegidas de nossos impactos ao ambiente.
Pequenos plásticos e grandes problemas
Estamos falando de plástico e nos vêm à cabeça sacolas, garrafas e embalagens, mas o problema é mais profundo. Além dos detritos visíveis de plástico e suas consequências já citadas, há também o problema dos microplásticos: pequenas partículas resultantes da degradação (quebra física) de pedaços maiores de plástico (como tampinhas, garrafas e sacolas) por ação mecânica (Figura 2). Devido ao tamanho diminuto desses polímeros, eles são ingeridos ou aspirados tanto por animais pequenos, como os que se encontram no plâncton, quanto por animais maiores, como peixes e mamíferos, o que gera consequências negativas cada vez mais impactantes ao longo dos níveis tróficos das redes alimentares marinhas (para saber mais sobre “Bioacumulação”, confira outro Ciência em Foco sobre o assunto aqui).
E a origem da poluição por microplásticos é mais ampla do que o citado, visto que também há a origem direta: esse tipo de material diminuto está na composição de diversos produtos de higiene pessoal e de limpeza. Uma vez utilizados, portanto, esses produtos têm como destino os esgotos, que caem nos rios, os quais desaguam nos oceanos, contribuindo com o problema. A poluição por microplásticos nos oceanos é tão extensa que esse material já foi encontrado em diversos alimentos humanos de origem marinha, como o próprio sal. Preocupante!
Perspectivas de solução: o que podemos fazer?
Há como melhorar o cenário de poluição por plásticos e evitarmos uma nova primavera silenciosa? Na verdade, sim, e isso pode ocorrer com medidas em diversos níveis, das simples e que requerem pouco esforço individual (seu mesmo!), até aquelas que venham de órgãos e instituições internacionais. Das mais concretas, como acordos internacionais semelhantes aos do clima (com metas e desafios, diagnósticos detalhados e vários países signatários), àquelas simbólicas, como o caso da rainha do Reino Unido, Elizabeth II, que proibiu o uso de canudos, garrafas e copos plásticos nas propriedades da família real inglesa.
Grande parte da solução reside na regulação do uso de plásticos por órgãos governamentais, e de atitudes conscientes dos maiores consumidores e produtores desse material, como empresas e indústrias, tanto regionalmente quanto em uma escala internacional. Alguns exemplos de estratégias incluem o manuseio e descarte correto de plástico de maneira extensiva; pesquisas que desenvolvam materiais biodegradáveis, quimicamente inertes, recicláveis e/ou já feitos de material reciclado; banir uso de microplásticos em produtos de higiene e limpeza; regular o uso individual de plástico; estabelecer limites diários de descarte do poluente em ambientes naturais; recuperação do plástico já descartado; e estabelecer esquemas de armazenamento do material.
Porém, individualmente você também pode começar essa mudança! Podemos separar o material plástico das dezenas de embalagens que consumimos para descarte em lixo reciclável; evitar uso excessivo de sacolas plásticas em supermercado, uma vez que existem alternativas; e buscar perceber que existem produtos plásticos que utilizamos simplesmente por hábito e comodidade (que exigiriam praticamente nenhum esforço para modificar) como uso na maioria das vezes desnecessário de canudos para beber, ou talheres e pratinhos descartáveis para comer.
De uma forma geral, mais do que pensar em soluções pontuais, deveríamos, como sociedade, ter uma mudança de postura, para pessoas de consumo menos predatório e uso menos descartável, isto é, avaliar melhor se a conveniência de utilizar plástico excessivamente no dia-a-dia vale a perspectiva de dano ambiental que sabemos existir. A poluição por plásticos trata-se de um entre muitos exemplos em que o conhecimento científico e o meio ambiente são negligenciados devido à teimosia de manter antigos hábitos, a busca por soluções simples para questões complexas e, pior, a tentativa de se lucrar o máximo possível, sempre. Se diante do conhecimento de impactos negativos que temos nos ambientes naturais que nos incluem já fomos capazes de melhorar a situação na Primavera Silenciosa, por que não seríamos também na Nova Primavera Silenciosa, a dos plásticos?
Texto: Caio M.C.A. de Oliveira
Revisão: Vinicius Anelli
Para saber mais
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Worm, B. 2015. Silent spring in the ocean. Proceedings of the National Academy of Sciences, 112:38.
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Laversa, J.L. & A. L. Bond. 2017. Exceptional and rapid accumulation of anthropogenic debris on one of the world’s most remote and pristine islands. Proceedings of the National Academy of Sciences, 114:23.
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Borrellea, S.B.; Rochmanb, C.M.; Liboironc, M.; Bond, A.L.; Lushere, A.; Bradshawc, H. & J.F. Provencherf. 2017. Why we need an international agreement on marine plastic pollution. Proceedings of the National Academy of Sciences, 114:38.
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Thompson, R. 2017. A journey on plastic seas. Nature, 78:547.
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Galloway, T.S.; Cole, M. & C. Lewis. 2017. Interactions of microplastic debris throughout the marine ecosystem. Nature Ecology & Evolution, 1:0116.
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